Prólogo

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Quantos mundos podem existir dentro de um único mundo? Quantas certezas, perspectivas, medos e sonhos podem existir em um único mundo, em uma única mente? E no fim, talvez nada disso seja real. Talvez... Quem somos não passe de um fragmento de uma mente, uma memória, um vislumbre de consciência.

Meu pai disse-me uma vez que no dia que o homem descobrir o que é a memória, então saberemos quem de fato somos, no mais, somos apenas um fragmento de consciência preso em uma casca a qual chamamos de corpo. Acho que o fato de nada existir ao mesmo tempo em que existo, o fato de não haver nada além do nada, me conforta. Assim, por meio do nada eu aceito o tudo e me aceito. Não sei se isso tem haver com liberdade; Espero que sim.

Me aceitar? Para aceitar algo não é necessário conhecê-lo? Espero que não, pois não me reconheço a tempos, sinto que me perdi entre as várias facetas de mim. Divido minha casca com outras, outras de mim, inventadas. Uma pequena atriz. O teatro é o meu mundo e as ruas sujas e lameadas são o meu palco, mas sem luzes, não há luz de onde escrevo.

A história sequer é minha, dela sou apenas instrumento, como lápis e papel, item que virou luxo após a guerra civil. Madeira virou coisa de rico. Sempre pensei que se uma história tem dois lados e se eu estivesse nela, com toda certeza que há em mim, eu estaria do lado errado. Se a ação é um fato e o fato é um ato. O fato é: Estou do lado errado, mas não do lado dos idiotas que acreditam cegamente na integridade da polícia Londrina, tão pouco nos homens engravatados que vem para o lado sujo da cidade para vomitar a podridão de suas almas.

De volta a história... Um marginalizado qualquer, sem importância qualquer, tão insignificante quanto um inseto. Sem classe social alguma, mal nascido de berço nas vielas de Chelsea —Bairro tomado pela violência de uma pequena gangue, desde a posse do Rei. — homem que ninguém se atreve a olhá-lo com estranheza, não que este não seja digno de olhar insolente, mas por medo. 

Ele é o medo, é o frio na barriga que sentimos ao passar em um beco em uma noite escura. Ele é a escuridão. Tão perspicaz e sagaz que ao me lembrar daqueles olhos opacos e cinzentos e do meio sorriso de quem sabe que nunca é o idiota sentado à mesa e sim quem dá as cartas, fingindo-se ser o idiota, caio em uma gargalhada. Com risos ríspidos e debochados.

Este homem, ex soldado de guerra e agora desertor é a figura que amedronta Londres, nem eu sei se ele é uma lenda inventada, um Hobby Hood de mentirinha ou se de fato ele existiu. Acho que o reconheceria na rua... Harry Peckham ou apenas Harry Davies; Para aqueles que o conhecem como um homem de negócios, de temperamento arrojado e discreto. Para mim... O delinquente.

Quanto a mim? Sou apenas a prostituta. Talvez, enquanto escrevo, percebo que sou a grande ironia de Harry. O soco no estômago que ele não viu chegando, o sangue em sua boca... Afinal, até mesmo a serpente mais sagaz também é tola ao tentar devorar uma presa que não consegue engolir. Talvez, se já não houver mais qualquer resquício de compaixão neste homem eu termine esta história com uma bala em minha cabeça. Talvez, até mesmo já esteja morta, como eu estava quando pisei em Chelsea pela primeira vez.

CHELSEA - A ascenção de um narco (Versão original)Where stories live. Discover now