Capítulo 1

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Mavis

Ô calor do cão.

— Sinceramente por que não cozinham logo a gente? —me abano com as mãos— já estou no ponto de jogar os temperos e pôr no prato.

José deu uma risada e me empurrou um copo com caldo de cana gelado, e então empurrou um pratinho com um grande pastel. Estamos na feira de domingo, e se você acha que o estado do RN pode piorar em algum ponto. Venha em um calor de lascar às sete em ponto em uma feira de interior no domingo.

— OLHA A MACAXEIRA!!!

— Reiousse. -digo dando dois goles do caldo de cana que desceu aliviantemente gelado em minha garganta, para em seguida dar uma mordida generosa no pastel.

Vou passar uma hora no banheiro depois, mas não tem nada melhor que esses pastéis de feira de ingredientes e modo de preparo duvidosos que a lei não aprova.

— Dragão, já é o terceiro pastel de carne com catupiry. -disse José.

Eu pego um fio preto cacheado rebelde de meu cabelo o colocando atrás de minha orelha.

— É tu que tá pagando? Urea seca. -questiono.

— É. -ele disse.

Eu dou de ombros.

— Minha companhia nessa muvuca tem custos. -falo.

Eu solto um suspiro dando outra mordida gloriosa.

— Dona Glória, a senhora tem uma não boa pra comida, santa glória. -suspiro.

A senhora da banca de pastel sorriu satisfeita para mim.

— Vamos, você come no caminho. -José me puxou.

— Égua, e eu sou cavalo pra comer em pé? -bufo seguindo ele com minha comida na mão.

— Cuida, Mah. -ele disse.

— É Mavis. -digo.

— Ninguém mandou tia Rosa colocar nome de rico em pobre. -ele disse.

Vou dar uma coronhada no quengo dele.

— Pronto, menina véia abusada, a gente já pegou as coisas que ela pediu. -ele disse.

— Graças a Deus. -falo.

— Bora subir no pau. -ele disse.

— Lá ele. -falei subindo.

— Égua que ela leva tudo pro duplo sentido, vai pra igreja. -ele disse se segurando.

— Quem tem que ir e bem gosta é tu, pegando o coroinha atrás do muro dela.  -solto.

Ele arregalou os olhos olhando pro povo que olhava pra gente.

— Teu rabo. -ele me deu um tapa na nuca.

— Ai que vida! -digo quando o pau de arara saiu.

— Ô inferno pra ter cão, visse. -ele disse.

— Tu te aquieta e fala bem baixinho que tem véia crente no pau de arara. -eu digo.

— Tem nem do que ela reclamar, a neta vive orando pelo varão. -ele disse.

— É por outro tipo varão que ela ora, ajoelhadíssima. -cochicho pra ele.

— E que varão. -dissemos.

— Seis tão falando de quê? -a crente perguntou.

— A paz do senhor, irmã, do quanto esse pau sacode. -disse José.

— Menino que impureza. -ela nega.

— Irmã tem quinze filhos com o pastor, já deveria estar acostumada com as impurezas. —digo— quinze, Muié, não para mais não?

— Menina baixarenta. -ela disse.

— Mah, mulher, tu sabe que a televisão da irmã queimou faz uns anos. -josé me dá um tapa.

— Faz bem quinze anos que ela queimou, pra ela se entreter tanto em ter fi. -falei.

— Esse povo é o cão. -ela disse.

— Shh, respeite o cão, Muié. -dissemos.

Dei uma gargalhada junto com José, pendurada pra não cair enquanto o velho das galinhas tentava controlar as galinhas.

.

— Demoraram foi muito pra chegar. —disse vovó— o cuspe no chão secou faz é tempo.

— A feira tava cheia, visse. -josé ajeitou aquelas buchas que ele chama de cabelo.

— Ainda por cima o pau deu prego. -falei.

— Que pau?!! Menina. -ela me olha assustada.

— O de arara, aaaa. -gritou José.

— Seis são é muito é fresco, quando se juntam é um cabaré sem fim. -ela nega.

— Eita que as putinhas ficam é tristes se o cabaré fechar. -falei.

— Diga nem isso, preciso rodar a bolsinha. -disse José.

— Vai rodar é a trouxa, essa mangueira aí embaixo. -disse vovó.

— Vó do céu, como a senhora é baixa, ainda fala de nós. -ele a olha indignado.

— Sou velha, tenho prioridade. -fala.

— Isso é falta de transa. -disse ele levando uma panelada dela.

— Vô aguentou foi muito antes de partir. —falei olhando pro quadro do falecido— quando vó subiu o pau de arara a alma dele desceu e ele já não estava mais entre nós.

Eu corri antes que ela jogasse a cuscuzeira em mim.

Rindo eu entrei no quarto trancando a porta para não arriscar a entrada de um objeto identificado como sandália de couro.

Caí na cama pegando meu livro em mãos para mais uma leitura.

Acotar.

Eu suspiro, olhando para as páginas, talvez horas ali lendo pois mal percebi quando estava quase nas últimas páginas.

Olho para algo entre as letras, estava tão vidrada no livro que estava a delirar? Ou aquelas letras estavam brilhando?

— É a treva. -digo olhando mais de perto.

Então o grito da minha avó percorreu talvez todo o cartão e caatinga, levando o que restava de lobos guarás em extinção por ondas sonoras.

— MAH! VEM ALMOÇAR!

— Já vou!! -deslizo os dedos nas letras.

Meus dedos afundaram na página e eu arregalei os olhos, estavam dentro dela e... parecia ser um desenho animado...

— URUBUA!! VEM COMER!! -josé gritou.

Eu puxei a mão e olhei para a porta.

— TÔ INDO DESGRAÇA!

Eu olho para o livro e sem sinal daquela luz, eu franzi o cenho, tô ficando é doida.

Eu deixei o livro na cama e me ergui, indo pra cozinha comer o que mais gosto.

Cuscuz.

*Até o próximo capítulo, deixem seu comentário e seu voto pfvr ❤️*.

Corte De Trevas E Sombras | •AcotarOnde as histórias ganham vida. Descobre agora