𝗖𝗮𝗽𝗶́𝘁𝘂𝗹𝗼 𝗜 - 𝖮 𝖧𝗈𝗆𝖾𝗆 𝖺̀𝗌 𝗌𝗈𝗆𝖻𝗋𝖺𝗌.

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A noite caía no Bosque de Ithelwood, e as sombras começavam a dançar entre as arvores, criando um mágico e enigmático cenário. Os pássaros, em seus cantos melodiosos, pareciam sussurrar segredos ao vento, como se quisessem compartilhar mistérios ocultos que ninguém jamais entenderia.

Apreciando o céu alaranjado, Eveline suspirou, ansiosa para sair e aproveitar a paisagem, como inspiração para uma nova música. Entretanto teria que esperar sua mãe ir dormir para poder ter essa liberdade, pois enquanto estivesse em alerta, senhora Helga, jamais permitiria que Eveline saísse a tal horário de casa.

— Vai ficar olhando a janela até que hora? — A voz impaciente de Helga soou naquela pequena cozinha — A mesa não vai ser posta sozinha, Eveline!

A garota desviou o olhar para as paredes de madeira que envernizara no verão anterior. Seu trabalho estava descascando e logo o chão estaria cheio da fina película, conseguia ouvir os berros de sua mãe sobre sua falta de providência àquilo.

— Eveline!

— Já estou indo, mamãe.

Ela se levantou da cadeia preguiçosamente e começou a colocar os pares de louças em seus devidos lugares na mesa.

— Ainda não entendo o porquê a lua fica nessa tonalidade quando é primavera. — Ela murmurou enquanto pegava os copos no armário, observando de relance a janela.

Helga secou as mãos no avental e olhou para a filha de forma severa.

— Achei que tinha falado para você não questionar coisas sem sentido!

Eveline olhou para o rosto carrancudo de sua mãe, só então percebendo o quanto a idade consumia sua aparência, mesmo com seus costumes vaidosos de cuidados com a pele.

— Estou apenas curiosa...

— Curiosidade é algo inútil! — Ela olhou indignada para a filha — O tempo que você perde estando curiosa, é o tempo que poderia estar fazendo algo útil como lavando essa porcaria de panelas sujas!

Respirando fundo, Eveline tentou esquecer essa conversa enquanto servia os pratos na mesa.

Aquele jantar foi silencioso e frio, mesmo com a comida deliciosa e quentinha.

Eveline optou por não falar mais em sua curiosidade, nem tentar ter uma conversa civilizada, pois sabia bem que nesses vinte-e-quatro anos, a civilização de sua mãe havia ficado na aldeia quando se mudaram para o bosque.

Como previra, logo após o jantar, lavara a louça e sua mãe fora se deitar. Com o pretexto de estar igualmente com sono, Eveline trancou a porta de seu quarto e abriu a janela pulando-a silenciosamente com o violino e o arco em mãos.

Naquela altura, o céu já fora consumido pela escuridão e não havia nada além de estrelas e a lua iluminando o bosque.

Em silêncio, seguiu o caminho até seu local preferido, onde tinha visão da lua, e era o suficientemente longe para sua mãe não ouvir o violino. Havia feito tantas vezes aquele trajeto que sabia de cor como chegar lá, mesmo no escuro.

Sua primeira vez foi repleta de tropeços e quedas, no dia posterior ela chegou a crer que nunca mais voltaria lá, já que foi pega entrando sorrateiramente em casa. O castigo foi tão grotesco, que as janelas e portas ficavam trancadas praticamente o dia e a noite inteira. Mas depois de alguns meses, sua mãe maneirou com essa prisão.

Mesmo assim, senhora Helga, jamais a deixava sair depois do cair do sol, e durante o dia, ela só podia ir à aldeia supervisionada por senhor Thomas, um amigo de longa data da família. Um amigo a qual, Eveline sempre suspeitou que, sentia algo por sua mãe.

Adentrando a clareira do Lago Espelho de Prata, ela foi até uma grande rocha lisa e sentou-se sobre ela, ajeitando o violino e começando, sem demora, uma das músicas que gostava de tocar todas as noites de primavera. A melodia bem que contrastava com o coaxar dos sapos e o chirriar dos grilos.

Aos poucos com aquela música alegre, um tanto hipnotizante, os arbustos e as arvores começaram a farfalhar. Sem demora apareceram, um a um, os amigos de Eveline.

Um esquilo voador, completamente colorido pulou de uma arvore e pouso suavemente na cabeça da jovem, sendo seguido de uma majestosa ave negra, com olhos brilhantes e marcantes, cujo as asas se fecharam assim que pousou ao lado de Eveline. E dentre os mais próximos da jovem, estava um pequeno e peludo filhote de dragão que parecia um tanto com um pequeno cãozinho.

Sorrindo com o chamado atendido, Eveline observou todas as criaturas que apareceram envolta do lago e perto dela. Então finalizou a música alegre.

— Olá, senhor Furry! — Ela acariciou a cabeça do pequeno dragão — Silas! — chamou cordialmente, quando o pequeno esquilo desceu para seu colo. — E Etheron. — Seu olhar parou na média ave negra que coçava embaixo da assa esquerda.

De alguma forma Etheron se sentiu constrangida de ter sido pega fazendo algo que consideraria inconveniente.

— Oh, não se preocupe, Etheron, não vi nada. — Ela sorriu tentando reconfortar a fina ave. — Penelope! A quanto tempo, minha, doce, amiga! — Uma majestosa cerva com asas enormes e graciosas estava bebendo a água do lago quando Eveline a cumprimentou.

Ao terminar de engoli a água, Penelope, curvou as patas fronteiras como uma saudação. Eveline curvou-se em respeito e sorriu.

— Creio que devo tocar uma música bonita para a ocasião! — Animada Eveline colocou o violino em ombros e sorriu — Com vocês, "Além do céu azul"!

Então uma música semelhantemente animada, mas com toques dramáticos, cheios de reviravoltas e desenhos, começou. Eveline podia imaginar, alguma bailarina da cidade grande dançado sob essa melódica música, desenvolvendo uma trama de aventura e romance onde magia move seu mundo.

Ao tocar aquele conjunto de notas, Eveline conseguia sentir quantos animais estavam presentes, mesmo sem contar, mesmo sem ver. Ela sentia uma música exclusiva de cada um, conseguia unir cada melodia que sentia a sua música, como se fossem complementos.

Animada e absorta em sua música, a garota fechou os olhos, apenas ouvindo e sentindo os animais. Cada nota produzida com sua fértil habilidade, trazia a ela alegria e cada sentimento que tudo emanava. O lago, inquieto, dançava com sua música. Os animais pareciam mais ativos sob as doces melodias. As arvores chacoalhavam com o tempo da sonoridade.

Mas Eveline ficou ofegante, sentiu uma presença poderosa entre eles. Alguém estava nas sombras das arvores.

Então sua mão travou arrancando um ruído desafinado do violino. A harmonia sumiu instantaneamente da clareira, e os animais a encararam atentos, uns severamente, outros preocupados, como exemplo, Penelope, que deu um passo em direção a ela.

Há quatorze anos, Eveline Spring começara a desenvolver uma habilidade única de sentir a alma e as emoções de tudo que a cercava. A primeira observação feita para si foi que os animais da aldeia passavam um misto de inocência com simplicidade, já os do bosque traziam consigo vivência de anos, senão séculos, e exuberância no saber.

Todavia, aquela era a primeira vez que sentia algo tão poderoso e forte emanando de um único lugar, algo antigo, sábio, mas jovem e ainda um tanto inocente. Ele se aproximou um passo, o suficiente para Eveline sentir seu espírito temeroso e excitado.

Ela abriu os olhos, quando certos sons sumiram. Olhando exatamente da direção que emanava aquele poder, Eveline abriu a boca para chamá-lo.

— Boa noite — Uma voz grave respondeu seu pensamento — Peço perdão se a assustei.

— Que-Quem é você?

Do outro lado do lago, onde observava, a sombra saiu, e assim surgiu um homem alto, algumas mechas roxas brincavam nas ondas de seus longos cabelos brancos, apesar da cor, ele era jovem, um rosto sem rugas, mas com um pequeno rastro de um cavanhaque.

Erguendo o olhar do lago, ele a encarou, e para o espanto de Eveline, seus olhos eram violetas. O sorriso dele foi sereno, como se encontrasse uma amiga de épocas atrás.

—Me chamo Leander Alaric.

O Elo EternoWhere stories live. Discover now