Tudo o que nós Prezamos • Yizhan !

Cᥲρίtᥙᥣ᥆ E᥊trᥲ - 2

Big Sur, Califórnia - 5 de outubro.

O pôr do sol, com sua explosão de vermelhos, laranjas e roxos, há muito havia desaparecido do céu, deixando para trás uma tela preta para a lua minguante iluminar a noite fria de outono. Os amigos de Yibo, um bando de pessoas que ele conheceu quando começou a aprender a surfar após sua segunda cirurgia, sentaram-se ao redor do fogo, curtindo a companhia um do outro. Por um tempo, ele se juntou à conversa animada e até cantou junto as músicas que eles pacientemente lhe ensinaram como o mais velho de seu grupo e seu líder de fato, acompanhando-os com seu violão danificado, mas fiel. 

Yibo conseguiu se manter distraído por tempo suficiente para esquecer tudo e realmente se perder na alegria do momento, mas uma pausa no entretenimento o fez verificar seu telefone e o lembrou do encontro. Com a mente nublada de repente, ele se desculpou para ir ao banheiro, mas, feito o que precisava, foi sentar-se em um grande pedaço de madeira flutuante longe o suficiente de seus amigos para lhe dar um pouco de privacidade. Lá, pela primeira vez desde sua chegada no dia anterior, ele se permitiu pensar nele.

Desde o momento em que pôs os pés nos Estados Unidos, Yibo esteve ocupado com uma série de consultas e procedimentos médicos. Então, ele seguiu um rigoroso regime de reabilitação que o consumiu completamente, deixando-o exausto demais para pensar em qualquer outra coisa além do imediatismo de seu corpo curado. Antes que ele percebesse, ele se acostumou com esse novo, mas familiar, estado de ocupação e gradualmente ficou cada vez mais com medo de cutucar a besta adormecida que era seu passado recente com Xiao Zhan. E assim, não foi nenhuma surpresa que no momento em que ele se recuperou o suficiente para trabalhar, ele aceitou quase todas as ofertas para o deleite do homólogo americano de seu gerente. 

Embora Yibo já soubesse que essa tática só poderia durar tanto tempo antes, ele se permitiu ceder a essa paz de espírito emprestada e se convenceu de que era apenas outra maneira de criar espaço mental suficiente para analisar tudo o que havia acontecido objetivamente. Como dizia o ditado, “O tempo cura todas as feridas” e tudo mais.

Infelizmente, no momento em que ele desacelerou e se viu sozinho com seus pensamentos, Yibo foi forçado a se reconciliar com o fato de que fechar temporariamente a porta para o fogo furioso de suas emoções dolorosas e ignorá-lo não diminuiu de forma alguma sua intensidade. Ele não ganhou nenhuma clareza, nem a “decisão certa” se tornou mais aparente. Sem um caminho óbvio a seguir, o coração de Yibo se transformou em um metrônomo, sua determinação oscilando entre chamar Xiao Zhan para juntar os pedaços quebrados e apagar todos os vestígios do homem para seguir em frente com sua vida sem ele. Isso o deixou ansioso e emocionalmente esgotado.

Felizmente, isso também coincidiu com o momento em que ele se sentiu fisicamente forte o suficiente para tentar aprender a surfar corretamente. No começo, apesar de toda a reabilitação que ele fez, Yibo se viu incapaz de ficar na prancha por muito tempo - se é que conseguiu - e, depois de ter bebido sua cota de água do mar, muitas vezes ele deixou a praia em um estado de tal frustração que ele jurou nunca mais voltar. É claro que ser teimoso significava que ele continuava aparecendo apesar da raiva, mas combinado com sua determinação também havia o desejo de provar a seu instrutor, Ray - um australiano de quase quarenta anos que há muito tempo fez da Califórnia seu lar - que ele não era um desistente.

Para ser justo, ele não gostou do homem no início; ele foi inflexível e continuou fazendo Yibo voltar para a água, mesmo quando ele não queria nada mais do que ir para casa. Sem mencionar que quando ele não o chamava de “mate”, ele o chamava de “Yee-bow”, apesar de Yibo repetidamente ensiná-lo a pronúncia correta de seu nome. Por um tempo, no começo, ele até considerou solicitar um instrutor diferente. No entanto, isso mudou no dia em que ele apareceu na praia sem avisar, um compromisso de trabalho que não deu certo. Subitamente capaz de observar Ray do ponto de vista de um estranho, ele viu como o homem tratava seus outros alunos. Até aquele momento, ele não havia prestado muita atenção nas pessoas que aprendiam ao seu lado, pois focar em si mesmo já era mais do que ele poderia suportar, mas naquele final de tarde, sentado na praia, ele pôde ver como o homem tratava cada um de seus alunos de maneira diferente, de acordo com suas necessidades e personalidades específicas. Depois de observar por um tempo, ele concluiu que Ray era incrível em ler as pessoas e se perguntou se ele havia sido duro com ele porque sentiu que Yibo precisava disso. Era como se, de alguma forma, o homem tivesse percebido o tumulto em sua mente e o tivesse cansado apenas o suficiente para lhe permitir uma boa noite de sono. Daquele momento em diante, ele passou a apreciar verdadeiramente Ray e abraçou seu novo apelido inglês; pronúncia errada que se dane. O homem havia percebido o tumulto em sua mente e o cansou apenas o suficiente para permitir-lhe uma boa noite de sono.