Capítulo 2

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"Íamos, apesar de tudo, encetar a retirada."

— Visconde de Taunay


As primeiras luzes da aurora vieram dar novo ânimo e coragem ao anspeçada. Elas chegaram filtradas por nuvens pesadas que tornavam o céu um teto de chumbo.

Ao sair da vala, Zé Alves percebeu que estava bem longe da fazenda Laguna. Resolveu que não queria ficar parado, por isso atravessou o descampado. Adiante, uma estrada de terra dava sinais de esperança de reencontrar a coluna brasileira.

Mal dera três passos quando notou dois cavaleiros sobre uma colina distante, sinal claro do inimigo, porque poucos brasileiros haviam invadido o território paraguaio em montaria. Parados, eles observavam o horizonte. Se vissem Zé Alves a atravessar sozinho o descampado, certamente o atacariam, por isso ele se agachou e esperou.

Sua sorte mudou a galope. Foi de repente que surgiu um cavaleiro nitidamente brasileiro correndo em sua direção, vindo da estrada de terra. Por um momento, Zé Alves pensou que fosse o próprio coronel Carlos de Morais Camisão, comandante das forças que invadiram o Paraguai. Não tardou a perceber que era o corajoso José Francisco Lopes, o guia que se oferecera a indicar os caminhos por aquelas terras desoladas. Dono de uma propriedade no Mato Grosso do Sul, o guia Lopes tinha motivos pessoais para ajudar na invasão, visto que sua amada esposa e quatro filhos foram feitos prisioneiros dos paraguaios.

Cavalgando com vigor até ficar ao lado de Zé Alves, o guia lançou um olhar desafiador aos soldados paraguaios, depois observou melhor o brasileiro.

— Qual o seu nome? — perguntou o guia, cujos olhos pretos eram lúcidos e determinados. Os poucos cabelos eram brancos, cortados bem rentes nas têmporas e nuca, ficando o alto da cabeça descoberto, mostrando uma careca queimada de sol.

— José Alves Barboza. Anspeçada do Batalhão número 20...

O guia Lopes se permitiu sorrir um pouco, sem esquecer que os paraguaios o observavam de longe.

— Fui designado pelo nosso chefe a voltar e reaver tantos quantos tenham se perdido pelo caminho — disse o guia controlando o cavalo inquieto.

— Agradeço, senhor Lopes! A coluna deve estar a um dia de viagem, pelo que sei. Será um imenso alívio reencontrar os companheiros.

— Nesse caso, não temos tempo a perder. Você está em condições de andar?

— Se não estivesse, ainda assim me arrastaria para longe daqui! — Zé Carlos se lembrou das assombrosas aparições da noite anterior, porém resolveu calar o assunto para não parecer um lunático.

— Venha comigo e não se distancie nem por um momento! — Lopes conhecia suficientemente bem aqueles campos para estar em posição de dar ordens quando o assunto era o caminho.

Seguindo a pé, Zé Alves ladeou o guia Lopes até a estrada de terra. Ao olhar para trás, ele não viu mais os dois cavaleiros paraguaios que os espreitavam sobre a colina. Por um lado isso era bom, por outro poderia significar que eles haviam saído para chamar reforços.

Os Espectros de LagunaWhere stories live. Discover now