"Íamos, apesar de tudo, encetar a retirada."
— Visconde de Taunay
As primeiras luzes da aurora vieram dar novo ânimo e coragem ao anspeçada. Elas chegaram filtradas por nuvens pesadas que tornavam o céu um teto de chumbo.
Ao sair da vala, Zé Alves percebeu que estava bem longe da fazenda Laguna. Resolveu que não queria ficar parado, por isso atravessou o descampado. Adiante, uma estrada de terra dava sinais de esperança de reencontrar a coluna brasileira.
Mal dera três passos quando notou dois cavaleiros sobre uma colina distante, sinal claro do inimigo, porque poucos brasileiros haviam invadido o território paraguaio em montaria. Parados, eles observavam o horizonte. Se vissem Zé Alves a atravessar sozinho o descampado, certamente o atacariam, por isso ele se agachou e esperou.
Sua sorte mudou a galope. Foi de repente que surgiu um cavaleiro nitidamente brasileiro correndo em sua direção, vindo da estrada de terra. Por um momento, Zé Alves pensou que fosse o próprio coronel Carlos de Morais Camisão, comandante das forças que invadiram o Paraguai. Não tardou a perceber que era o corajoso José Francisco Lopes, o guia que se oferecera a indicar os caminhos por aquelas terras desoladas. Dono de uma propriedade no Mato Grosso do Sul, o guia Lopes tinha motivos pessoais para ajudar na invasão, visto que sua amada esposa e quatro filhos foram feitos prisioneiros dos paraguaios.
Cavalgando com vigor até ficar ao lado de Zé Alves, o guia lançou um olhar desafiador aos soldados paraguaios, depois observou melhor o brasileiro.
— Qual o seu nome? — perguntou o guia, cujos olhos pretos eram lúcidos e determinados. Os poucos cabelos eram brancos, cortados bem rentes nas têmporas e nuca, ficando o alto da cabeça descoberto, mostrando uma careca queimada de sol.
— José Alves Barboza. Anspeçada do Batalhão número 20...
O guia Lopes se permitiu sorrir um pouco, sem esquecer que os paraguaios o observavam de longe.
— Fui designado pelo nosso chefe a voltar e reaver tantos quantos tenham se perdido pelo caminho — disse o guia controlando o cavalo inquieto.
— Agradeço, senhor Lopes! A coluna deve estar a um dia de viagem, pelo que sei. Será um imenso alívio reencontrar os companheiros.
— Nesse caso, não temos tempo a perder. Você está em condições de andar?
— Se não estivesse, ainda assim me arrastaria para longe daqui! — Zé Carlos se lembrou das assombrosas aparições da noite anterior, porém resolveu calar o assunto para não parecer um lunático.
— Venha comigo e não se distancie nem por um momento! — Lopes conhecia suficientemente bem aqueles campos para estar em posição de dar ordens quando o assunto era o caminho.
Seguindo a pé, Zé Alves ladeou o guia Lopes até a estrada de terra. Ao olhar para trás, ele não viu mais os dois cavaleiros paraguaios que os espreitavam sobre a colina. Por um lado isso era bom, por outro poderia significar que eles haviam saído para chamar reforços.
YOU ARE READING
Os Espectros de Laguna
ParanormalConto livremente baseado no episódio da Guerra do Paraguai chamado A Retirada de Laguna, o qual foi descrito pelo Visconde de Taunay em seu livro que leva o mesmo nome.