Capítulo UM: Reencontro

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Liberdade.

Do latim, liber, "homem livre".

Para alguns, uma palavra cotidiana, sem muito significado, para mim, significava tudo.

Caminhei, ainda meio zonza, pelos corredores escuros e esquecidos da Masmorra Celestial. Onde os anjos "maus" eram punidos por suas oposições e desobediências divinas. Eu não era um anjo mau. Meus únicos "delitos" foram as visitas que fiz na Terra. Mas eu não fiz nada de errado, eu apenas brinquei com o humano.

Meu terceiro par de asas ainda sangrava, deixando um rastro rubro e viscoso por onde eu passava. Elas haviam sido cruelmente arrancadas de minhas costas, assim como uma maçã é arrancada de uma macieira. Uriel fez questão de ser o mais cruel possível. No local onde antes elas repousavam com maestria, agora restavam dois buracos onde se podia ver a carne e a gordura se emaranhando com os nervos. Por que meus irmãos não gostavam de mim à esse ponto?

- Ora, ora, ora! Se não é a ovelhinha favorita do "Papai"... - Ao ouvir a voz de meu irmão Yekun, todo meu corpo estremeceu. Ele fazia questão de ir todos os dias e passar horas me furando, arrancando penas e conseguia ser bem criativo quando estava sedento pela tortura.

Parei de andar instantaneamente, como se sua voz fosse algum veneno paralisante e, pude ouvi-lo rir zombeteiro, com soberba em seu tom. Tentei não demonstrar, mas estava a ponto de tremer, o nervosismo já tomava conta de meu sistema e a adrenalina fora injetada com tudo em meu organismo.

- O que foi? O anjinho mau roubou sua língua? - Riu novamente.

Mal pude falar e senti dois pares de mãos agarrarem meus braços, cada um de um lado. Meus pés já pisavam na poça de sangue que minhas asas derramaram, enquanto a respiração começou a falhar.

Não, não de novo.

- Sorte a sua não precisar voltar pra lá... Temos uma viagem especial pra você...

E então Gadreel e Kesabel, que me seguravam pelos braços, começaram a me arrastar a contragosto.

- Onde estão meus irmãos? - Cerrei os dentes, tentando me debater.

Não adiantava, eu estava muito fraca e meus irmãos estavam segurando como se fosse a última missão deles.

- Castiel! Lúcifer! - Gritei ainda mais alto, sentindo uma dor aguda inundar minha barriga.

Quando me dei conta, Yekun estava me socando repetidamente o abdômen.

- Eles não estão aqui, não vê? Não tem mais ninguém aqui que vá te proteger. Esse não é seu lugar, Skotadi, nunca foi... - Disse ele, segurando firmemente em meus cabelos, enquanto me arrastava. Os outros dois acabaram por me soltar, ao ver que não havia necessidade. Não tinha forças para fugir.

Juntei minhas forças. Eles não podiam fazer isso de novo. Debati-me até que consegui me desvencilhar, estendendo a minha destra para Gadreel o anjo logo ao lado. Concentrei-me ao máximo e pude sentir a graça borbulhar dentro de mim, assim como Uriel, ele simplesmente desapareceu em meio à luz e à Graça. Ele já não estava mais ali.

Ensanguentada e exausta, aproveitei que os outros anjos haviam fugido, assim como Samael, e fui atrás de Papai. Indo em direção aos três tronos, de longe, avistei que eles não estavam mais em seus respectivos lugares. Ao invés do mármore havia algo no chão. Uma enorme fenda, por onde era possível ver perfeitamente a Terra.

Aquilo não era para estar ali.

Caminhei lentamente até próximo à fenda, aquilo não estava certo. Ela precisava ser fechada. Alguma coisa está errada. Muito errada.

SerafimWhere stories live. Discover now