O cego, a mulher e o publicano.

187 17 7
                                    

"Você tem que agir como se fosse possível transformar radicalmente o mundo. E você tem que fazer isso o tempo todo."
- Angela Davis.

uma dica importante, se querem interpretar mais a parábola, tomando como base a minha interpretação, vejam a letra da música okay? Enfim, boa leitura 🫶

uma dica importante, se querem interpretar mais a parábola,  tomando como base a minha interpretação,  vejam a letra da música okay? Enfim, boa leitura 🫶

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

D A N T E.

Dante fitava o teto com descrença. Ficou à noite em claro, caindo em um labirinto de pensamentos no qual não conseguiu entender ou sair. Sua vida poderia parecer fácil, sendo isso um fato totalmente verídico. Nasceu bonitinho, o típico playboy morador do Alphaville. No "very easy". E conseguiu ser um incompetente.

"Saudade de te ver na minha cama."

"O apartamento fica vazio sem você"

Era engraçado, que sua presença fosse tão calorosa, trouxesse tanta ternura para os outros e para si mesmo, passar o dia remoendo e remoendo seus próprios pensamentos só o levasse ao vazio.

Eles sentiam saudade do Dante que enxergavam. Mas e o Dante que sente? Que vive na pele? Esse Dante sente saudades do que um dia já foi, e não é mais. No fim das contas, quem é Dante? Essas perguntas, agora, seriam difíceis de se ter uma resposta.

Dante era uma pessoa excepcionalmente vazia. Tinha tudo para ser o herói da própria história, entretanto, tinha tantas expectativas sobre si que não cumpriu nenhuma sequer. Havia inúmeras borboletas esperançosas em suas entranhas.

Todas mortas.

Tanto sofrimento, se é a pura verdade?

Olhou para a tela do celular, que vibrava com algumas mensagens. João era legal, ficava bastante com ele, pois ele o fazia rir e era cheiroso. Já Marcos o dava admiração. O garoto tinha a garra da vida, o fazia se sentir endeusado. Mas nenhum dos dois, nesse jogo embaralhado, o fazia realmente querer mais.

Dante tinha a mania de almejar o que não podia, de querer o impossível e se chatear com aquilo que obtinha facilmente. Foi acostumado por tanto tempo com o simples ato de pedir e receber que queria ter o gostinho de ter por merecer.

Lembrava de como era bom sonhar. Nunca desistiu de fazer. Tinha fé no que podia sair do seu controle com um simples movimento de abrir os olhos. Tinha a mania de esperar por quem não tinha certeza que existia. Poderia ser um louco e um homem terrivelmente apaixonado. Mas só os loucos sabem! Dante se lembrava de tudo, o toque quente de seus dedos em sua mandíbula, a forma com que o outro homem o fez querer ter mais em poucos instantes ou de como ambos pareciam se conhecer séculos atrás. Pois atrações físicas são ridiculamente comuns, mas conexões são raras.

Porra, era um hipócrita estúpido. Não passava de um militante sem causas.

Olhou para a janela, estava amanhecendo e chovia o bastante para ser preocupante. Lembrou de como se sentia bem na liberdade das praias, da onda do mar e invejou quem estava tendo um bom dia de sol.

Estar vivo, afinal, nunca foi sinônimo de viver. A angústia que o acompanhou nesses anos todos, sobrevivendo, era fatal. Ele sorria amarelo, chorava como o azul, sua vida era inteiramente cinza. E não havia outra paleta de cor, a não ser essa.

Seu maior desejo era viver sonhando. Sonhar, para si, era pura arte. Sinônimo de sinergia, onde ele era um mentiroso em prosa. Onde ele se perdia em cenários ficcionais, amante de várias faces, mas amando somente um garoto misterioso. Pois, assim como as histórias religiosas que sua mãe o conta, onde um juiz iníquo estava completamente desinteressado nas ordem do Todo Poderoso, ignorando as súplicas de uma mulher viúva, não contava com a fé da mulher e a perspicácia de Deus.

"Deus é justo. Maior que todos os juízes e reis. Sensato como ninguém. Ele faz a justiça para quem ora, mas é preciso fé e não desistir, o tempo de Deus não falha e nunca falhará." Dizia Antonella, mãe de Dante.

Por fim, cansou-se de tanto resmungar da vida. Precisava fazer alguma coisa decente. Desceu a escadaria da sua casa, alcançou qualquer coisa rápida que tinha na cozinha, apesar de Dona Rosa ter feito uma mesa imensa de café da manhã, cheia de bolos, pães, sucos e café, não tinha tempo para isso.

Cumprimentou a mulher, tinha um respeito imensurável por ela. Dona Rosa era daquelas mulheres que apesar da idade era forte e batalhadora. E então, seguiu caminho até a garagem. Entrou no seu carro e chegou na faculdade federal rapidamente.

Na UFRN, cursava o quarto período de Direito. Sinceramente, não entendia o que tinha de muito em ser uma pessoa de boas condições e estudar em uma faculdade pública. Afinal, se estava lá, tinha passado por uma prova assim como todos os seus concorrentes.. Certo? Era mais que óbvio que todos eles também tinham passado por professores do Ensino Fundamental e Médio, então eram capacitados a fazer o vestibular.

Sabia que, ao certo, era um homem terrivelmente privilegiado. Mas, no entanto, não entendia algumas pautas sensacionalistas da nova geração. E mesmo que andasse com um ciclo social recheado, tanto na universidade quanto na escola, ainda passava por dificuldades para entender e compreender os desafios alheios.

Ao chegar no campus, cumprimentou seus colegas, mas prendeu seus olhos em uma única pessoa. Ele era diferente. Não o conhecia, mas em seu interior ele suspeitava de uma familiarização estranha. Parecia incerto, incorreto.. Mas seu coração batia desenfreadamente, tanto, que se não fosse muito estudado, se perguntaria se estava sofrendo um ataque cardíaco.

Os olhos deste entraram em sintonia consigo, simplesmente não conseguiu desviar, Dante conseguiu enxergar palavras dentro dele, lendo-o por completo. Seu corpo dizia, de forma infernal, para se aproximar. Seus dedos estavam a latejar, carentes de um simples toque na pele de ébano.

Uma troca de olhares se tornou um poema silenciado.

Isso, com toda certeza, não é normal.

O que se passava ao seu lado não importou mais, tudo o que Dante precisava ver era o outro homem com a camisa de time rubro-negra, genuinamente queria o conhecer, saber suas vontades, desejos e medos.

Dono dos olhos mais únicos e belos já observados por Dante, o garoto parecia uma obra-prima. Sujeito a esculturas de Michelangelo ou Donatello. Não deveriam existir, dentre todas as línguas e maneiras de expressar a si mesmo deste planeta, uma simples palavra que chegasse perto à sua beleza.

De algum modo, minha alma conhecia a sua, antes mesmo que eu soubesse o seu lindo nome.

AFETROPIA - transferência de almas.Where stories live. Discover now