Ela cantava canções de escuridão

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Estávamos dentro da nossa van, só eu, Ramon e Laryssa. Eles tinham me pego em casa, tentamos chamar o mínimo de atenção possível, vai que eu já estivesse sendo procurado. Antes, ficar enfornado com esses dois me fazia sentir tudo de bom, eu sentia que finalmente tinha amigos de verdade, pessoas boas e que sempre iriam me apoiar, pilares em que poderia apoiar meus sonhos e inseguranças, mas daquela vez era diferente: todo mundo calado. A Laryssa estava com aquela cara que ela faz quando está contendo seu choro e todos os seus sentimentos dentro de um cofre extremamente fortificado e lacrado, Ramon só tava muito puto.
Os tons de azul das ruas e dos letreiros luminosos representavam toda a tristeza que nós três sentíamos e, mesmo com as janelas abertas, o ar parecia ser escasso e impedido de chegar até mim por todo o peso do que fiz. Eu nem compreendia como poderia ter feito aquilo, só desliguei por alguns momentos e quando acordei, estava em casa.
Do nada, o carro parou bruscamente jogando meus pensamentos para fora, junto com meu corpo, que quase bateu no chão (tinha esquecido do cinto).

- É aqui - a Laryssa disse com seu tom autoritário, que eu nunca antes havia escutado - Mathias, desce.

- T-tá bom... - eu desci aos tropeços e tremiliques que o medo e espanto me forneciam

- Onde a gente tá? - o Ramon perguntou, completamente confuso.

- Em uma médium. - a Laryssa disse, seca - minha vontade era te levar em uma delegacia, mas como não posso, o que sobrou foi só isso.

- Ah, Laryssa, me poupe! Uma médium? Agora a gente não tem tempo pra essas suas crenças bobas! - Ramon zombava

- Alguma outra solução, oh sabichão da guitarra?! - ela retrucou, silenciando ele - em qualquer outro lugar que o levar-mos, ele vai ter problemas.

A Laryssa foi me puxando para dentro, era um lugar até que bonito, cheio de artes e cores, clichê dos médiuns, mas estava muito bem arrumado e limpo. No canto, eu vi Priscila, meu instinto era de tentar ir até ela e esclarecer tudo, mas, quase como se estivesse prevendo, a Laryssa me deu um puxão, acenando a cabeça com um "não", então a Priscila me olhou e senti todo o peso no olhar dela, toda a tristeza que ela sentiu com tudo aquilo, então ela desviou o olhar, com os olhos completamente cheios de medos, tristezas, incertezas e lágrimas, cheios como um oceano. Naquele momento, me senti um lixo, parte da escória humana. Sei que não controlei aquilo, mas ainda sentia culpa dentro de mim.
   Então chegamos até a sala da médium, uma porta de carvalho perfeitamente encerada e preservada, com uma ficha escrita "canalizadora". A Laryssa bateu, com três toques rápidos e, sem exitar, abriu a porta. A médium já estava a olhar para a porta, como se esperasse receber visitas, mas ela se surpreendeu ao né ver, como se já me reconhecesse, então ela engoliu em seco.

- Sentem-se - ela disse calmamente, indicando os acentos em sua frente.

Nós logo nos sentamos. haviam três cadeiras, me sentei na do meio, de frente para a médium e Laryssa se sentou a minha direita. Estávamos separados da médium por uma mesa. Haviam vários enfeites na sala: estátuas, quadros, jóias, pendentes e tecidos, muitos tecidos.

- Moço bonito, do futuro incerto, me dê sua mão - com calma, ela segurou a minha mão, totalmente delicada enquanto seu olhar penetrava em mim.

- Ele ma... - Laryssa tentou explicar a situação, mas foi cortada.

- já sei o que perturba o rapaz! Deixe-me concentrar em suas linhas - ela dizia, fechando os olhos, enquanto seu indicador percorria todas as linhas da minha mão, como um labirinto. Naquele momento, era como se estivesse passando um filme completo da minha vida, que seguia o caminho do indicador. Tudo o que eu vivi, poderia ter vivido e tudo o que aconteceu na noite passada, finalmente compreendi. E quanto o indicador chegou até a outra extremidade da minha palma, era como se finalmente tivesse voltado ao momento em que estávamos.

- Agora tu vê os ramos e galhos da árvore complexa que és teu destino, tu foste fadado a um ramo enxertado. O que eras teu, roubaram-te. Um escuro e um claro dividem um mesmo ramo. O que tu mais ama, te condenou e condenará.

- Isso é uma profecia? E quem me condenou? - eu esperava respostas dela, mas só tive mais dúvidas - e por que eu matei alguém?

- Estas foram ações do ramo enxertado, o que era teu, roubaram-te - ela disse, convicta de que eu tinha entendido.

- E o que me condena?

- O que tu mais ama - Naquele momento, só me vinha a mente a Priscila, ela era quem eu mais amava e era ela quem estava comigo naquela noite.

- E como eu reverto isso?

- Descubra quem enxertou o ramo e tome de volta o que és teu - em uma gaveta ela procurava algo, uma pequena pedra de cor cinza, envolta por pequenas cordas e alguns adornos. Quando ela deixou a pedra em minhas mãos, o objeto mudou sua cor, indo para um tom profundo de verde - Aqui estás a esperança que faltava-lhe, ela te avisará o enxertador e terás chance de tomar de volta o que és teu, mas cuidado, quem te fez tal mal, pode estás a dois passos de ti.

- Laryss... - a Priscila bruscamente entrou e nos olhou com um olhar de confusão e arrependimento - ah, desculpa por atrapalhar - ela se põe de volta para fora, quase fechando a porta novamente.

- Oh jovem menina, carregas tanto peso nos ombros. Venha, sente-se - A médium chamou Priscila e, diferente de mim, a convidou para sentar ao seu lado, enquanto fazia um gesto para eu sair.

Na BatidaWhere stories live. Discover now