E eu dei a ela uma mente perigosa

37 2 3
                                    

O nervosismo quase me obrigava a olhar as horas no telefone constantemente. Já eram 21:21, ver isso me tirava um suspiro, quase uma risada, além de me confortar. Isso me lembrava a minha amiga, com todas essas idéias de lei da atração e universo. Sinto falta dos tempos simples, onde minha única preocupação era acordar cedo e se meus amigos iriam faltar na escola. Esse sentimento de nostalgia se metamorfosiava em melancolia, a tão chegada, que, como sempre, me levava para dentro de mim, da minha própria escuridão que eu tanto almejava extirpar.
Isso já estava perto de me levar ao conforto das lágrimas, até que, uma voz me acordava desse pesadelo. Um homem alto, por volta de 1,86m, seus olhos amendoados brilhando de felicidade, como sempre e o seu sorriso esbanjando simpatia. Isso me dava até inveja, como alguém pode ser tão bom e tão feliz? Como ele pode exalar tanta luz? Ele me fazia lembrar do que eu poderia ter sido, se não fosse por mim e pelo meu medo ridículo. Mas tudo isso sumia, como um piscar de olhos ao calor do seu toque. Eu sempre me perdia em seus cachos perfeitamente encaracolados e a sua pele quase esculpida. Esse homem era o Mathias e ele estava meia hora atrasado.

- Oi, Priscila!

- A gente combinou de você chegar meia hora atrás! - eu disse alto - pra gente não precisar enfrentar tanta fila!

- Calma, Pri! A Lah conseguiu ingressos vip pra gente - ele dizia, no tom infantil que sempre me irritava. E esses apelidos? Por que tão esquisitos?

Nós logo entramos na balada, furando a frente de diversas pessoas. Algumas lançavam olhares quase assassinos em nós dois, era de dar medo.
No caminho, me sentia obrigada a encarnar a minha persona feliz e efervescente, era quase um fardo acompanhar o ritmo elétrico de Mathias, mas eu adorava aquilo. Junto dele, eu sentia como se fosse mais, Ele era imprevisível como os ventos e isso era o suficiente pra me suprir de tudo.
As luzes piscavam, incomodando meus olhos até que eu me acostumasse com aquilo. Eu comecei a pular e dançar enquanto a animação corria dentro de mim. Mathias me olhava, com seu sorriso tímido, como se pensasse ter escolhido a pessoa certa para se trazer aqui. E eu sentia, sentia dentro de mim a certeza de que ele nunca faria nada de mal a mim, nem a ninguém, ele nunca me abandonaria como todos fazem.

- Toma - peguei dois copos em cima de uma mesa qualquer, pareciam ainda não terem sido tocados por ninguém. Entreguei um na mão dele e funguei levemente a bebida, para me certificar de não ter nada estranho nela. - bebe - ordenei, enquanto fazia o mesmo.

- É sempre tão bom estar com você, Pri - ele bebeu um pouco da bebida - você podia se juntar aos galos, ser nossa vocalista de apoio, junto da Laryssa, todo mundo ia adorar. - ele me olhava de novo com aquele olhar, enquanto deslizava sua mão sobre a minha, até envolver minha cintura.

- Hoje não é dia de discutir sobre projetos e propostas! - eu virei toda a bebida dentro da minha boca, engolindo tudo - é sexta feira, SEXTOU! semana que vem vocês tem a turnê e eu prometo estar lá! - o fervor da bebida corria por mim, como um arrepio, me dando ainda mais energia - agora vamos dançar

Ele se deixava ser puxado por mim, como uma garotinha carrega seu boneco e ele estava realizado, eu podia ver em seu rosto.

- Sabe dançar? - perguntei, iniciando alguns movimentos que eu tinha a cara de pau de chamar de dança, mas sempre dava certo, sempre atraía o olhar de todos os homens e daquela vez não era diferente.

- Claro que sei - ele levava seu punho fechado até a testa, fazendo o famoso "arrocha". Era ridículo e fofo ao mesmo tempo - Olha, eu tô amassando!

- Amassando barata, só se for - sendo cortada pela minha própria gargalhada, eu dizia.

Ele parecia se divertir com aquilo, não ligando que estávamos no meio da pista e só pensando em mim. Ele me envolvia a cintura novamente, mas dessa vez eu deixei, me senti na obrigação. Tocamos nossas testas e ele parecia estar se preparando para algo, talvez um beijo. Quando estávamos quase lá, a música trocou de uma forma brusca e eu senti algo estranho nele, quase como um aviso divino. Eu o olhei e seus olhos estavam cinza, quase como se sua vida tivesse sido roubada, como se até a sua vontade não o comandasse mais. Toda essa estranheza veio junto da mudança da música. Era uma música esquisita, parecia falar sobre um assassino fadado a algo, mesmo sem ter nenhuma ligação, essa música me desenhava na mente justamente o Mathias, acompanhado de um outro alguém.
Ele me empurrou, quase me fazendo cair e saiu em passos largos e furiosos. Eu tentei gritar pelo seu nome, mas nada funcionava, até que ele esbarrou em um homem, derrubando a bebida do mesmo. Ele olhou para Mathias e eu já sabia o que estava por vir: briga. Mas Mathias parecia nem ligar para a confusão, seguindo seu caminho para os fundos da balada, por mim e pelo homem. Ele finalmente alcançou o meu amigo, nos fundos do estabelecimento, desferindo um soco nas costas de Mathias. Eu cheguei a pensar que aquilo teria destruído ele, o homem tinha quase dois metros e parecia ter posto toda a sua força no soco. Mas nada aconteceu. Mathias simplesmente virou, com seus olhos cinza paralisando o homem e desferindo um soco desumano, derrubando o homem. Consegui apenas assistir, congelada pelo choque. Mathias subiu sobre o homem, desferindo socos consecutivos no rosto do homem, que inutilmente tentava resistir, enquanto tinha sua face distorcida. Ele finalmente parecia desistir, mas a situação só estava para piorar. Mathias pegou uma garrafa vazia, jogada ao chão junto ao lixo em que os dois brigavam. Ele quer ou a garrafa com a própria mão, deixando uma parte pontiaguda. O homem parecia balbuciar algo, provavelmente um falho pedido de misericórdia, que foi interrompido pelo corte impiedoso da garrafa, atravessando sua garganta, cortando desde a base até atravessar a mandíbula. Ele havia morrido, junto de uma parte de mim que insistia em ver algo bom na minha vida. E eu só consegui correr e fugir, como sempre. Deixei Mathias ali, ensanguentado, naquele estado desumano. De todos os pensamentos, o que me persistia em prevalecer era o de que tudo era culpa minha. Eu poderia ter parado ele, talvez a culpa poderia ser da bebida que eu o dei. Eu nem deveria ter trago ele para essa festa idiota! No fim, era culpa minha e eu não podia mudar mais nada.

Na BatidaWhere stories live. Discover now