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                                                                        Brasa em águas calmas


Iludidos. É assim que eu os definiria. Eles são arrogantes e se acham superiores. Usam as pessoas ao seu favor, mentem e depois os descartam.


Ela entra apressada e sorrateira. Já faz um tempo que ele sabe. Ela pergunta sobre seu amor. Elas sempre perguntam sobre isso. Mas dessa vez eu sei a verdade, não preciso analisar a vítima do destino. Não, vocês não ficarão juntos para sempre. Pelo menos não em vida.


Ela sai radiante, com aquela cara de esnobe. Eu sempre faço meu trabalho bem, os enviando para as velas que nunca apagam; nem um tsunami, com as águas mais inquietas nunca jamais vistas poderiam apagar a chama da vida, tampouco mudar a cor do destino. Porém, dessa vez é contraditório, pois não sei se o que estou fazendo é certo, apesar da errada não ser eu. Bom, é a verdade afinal; e eles ficarão juntos para todo o sempre.


Hoje é uma quinta-feira de novembro de 1869. Ele sabe desde janeiro, descobriu em uma segunda-feira. Veio até mim para tirar satisfação e não fazer conclusões precipitadas. Eu não podia deixar essa chance escapar por entre meus dedos, como uma areia qualquer em uma ampulheta esquecida em suas estantes velhas e prateleiras enrugadas pela ignorância que nada solta. Não posso mudar o futuro, mas não vi nada além da verdade fatal sobre esse amor. Então ainda podia ser escrito. Meu dom é contraditório, mas há regras. Eu não posso reescrever o que
está por vir, mas podia manipular para me beneficiar, de modo que tudo
sala conforme deveria ser.


De primeira, não tinha pensado nisso. Apesar de ter visto do que ele era capaz logo quando o avistei, não foi o que mais me chamou atenção. Roupas bordadas a ouro são para poucos. O cheiro dele emanava de algo mais brilhante do que só o olhar de um homem sem esperanças.


 Eu já o esperava, mas fiquei surpresa com seu real motivo. Embora já soubesse da verdade, ainda tinha esperanças de ter sido um vislumbre errado de suas suspeitas. Afinal, uma mulher como Rita, esposa de alguém como Villela, deveria ser culta e respeitosa.Assim como Rita, mandei meus cumprimentos, não escritos, e muito menos à lápis. E, principalmente, assim com Rita, fui vulgar, mas não de forma deleitosa, e não com palavras.

Ao decorrer dos dias, ele até tentou fazer sua parte. Se afastou do casal. Cortou laços. Mas era tarde demais.


Villela já fazia seus preparativos. Eu o ajudava. Fazia leituras, tentando encontrar alguma possivel brecha para os dois, mas estava totalmente calmo e sereno. A lua até refletia a água parada que estava sempre em constante movimento. A agua da vida, o movimento do destino.
Ele não apareceu. Todos esses meses, Camilo realmente se precaveu. Nenhum sinal, nem uma carta; nem mesmo uma visita, assim como costumava fazer. Rita havia se abstido no quarto, "Não estou me sentido bem", foi o que Villela contou que ela tinha dito. Enquanto isso, Villela achava refúgio em mim.


Eu realmente fazia meu trabalho muito bem. Eu também fui mulher para ele, mais q sua própria prometida. Porém, havia uma diferença entre nós duas. Enquanto ela servia de enfermeira moral para Camilo, eu tratava da imoralidade de Villela, a moldando para se cumprir o destino. Como cartomante, era meu dever afinal.


Não foi dificil. A vela dele estava naufragada em grandes ondas se movendo. Ele só precisava de uma brisa, para se mover. Foi aí que eu soprei, a fazendo andar. Um sopro aqui, um dali. Não demorou para chegar aonde deveria. Onde eu queria.


Ele enfim teve a ideia dos céus. Era como tivesse chovido no oceano dele. Ainda com a água parada. Finalmente disse o que nasceu para dizer. Finalmente, fará o que nasceu para fazer.


Era quase madrugada, quando escutel batidas em minha porta. Já o esperava, claro. Villela, já completamente fora de si, encostado no batente, na entrada do quarto principal de minha casa, anunciou que já estava pronto. Então, como a mulher do plano, assim como a de uma relação, fiquei responsável pelos preparativos mais simbólicos. Seria no dia seguinte.


Vilella passou a noite aqui, já que já estava farto da presença da esposa. Não foi nenhuma novidade. Noites como essa tinham se tornado corriqueiras a algumas semanas. Não era novo, tinha certeza que as madeiras que compunham minha casa já estavam desacostumadas com a ausência do homem.


Ao amanhecer do dia, já estávamos de pé. Com o bilhete já enviado. A árvore já no seu lugar. Tudo estava nos conformes e planejado, graças a mim...


De tarde, escutei o relinchar do cavalo de Camilo. Podia visualizar os passos do homem, podia escutar o desespero que o cercava, sussurrando os mais sombrios e verdadeiros receios que podiam, e iriam acontecer.


Uma. Duas. Três batidas. Atendi a porta como quem não queria nada. Disse que queria me consultar. Como se pudesse vir por outro motivo. Com o olhar, pedi para que me seguisse. O levei para a sala, onde as linhas do presente e do destino se cruzam.


Consultei o destino como se fosse a primeira vez, assim como todas as vezes. Agi como se ele fosse qualquer um. Agiu como se fosse qualquer um. Dei as cartas. Eles as escolheu. Eu sabia. Ele também. Eu aceitei e torcia para isso. Ele negava e agia como se não fosse para acontecer. Ele estava ansioso, era perceptível. Estava fora de si. Incrível o que uma mulher podia fazer com um homem. Incrivel o que Rita fez com Camilo e Villela.


Disse exatamente o que precisava. Pelo visto, Rita gosta de homens esperançosos. Camilo saiu com um brilho no olhar, de fato, só o do olhar.


Nesse meio tempo, já tinham retirado a arvore da estrada. Ele voltouradiante, posso jurar que vi ele dar uma piscadela para o cocheiro.Horas depois, no horário marcado, fui a caminho de Villela. Ao chegar, eis a minha surpresa quando vi os amantes caídos no chão e Villela nas minhas costas, apontando uma arma para mim. Como se eu fosse a culpada.


-Foi você, não foi?


- Ora, e o que acha? Foi eu quem apertou o gatilho, três vezes?


-Só queria se livrar de Rita para ficar com meu dinheiro. Usou de mim e abusou de minha fragilidade!

-Só queria ter certeza de que o destino se cumpriria. Eu sou a cartomante afinal. É o meu papel.


- De fato, é a cartomante. Respondendo sua pergunta, não.


-O que?- Perguntou a Cartomante confusa. O que ele quis dizer?


Villela não respondeu. Ao invés disso, abaixou a arma, virou e saiu andando.


-Sua vela estava apagando, suas águas já não estavam mais se movendo. Eu tinha que lhe ajudar!


 -Cala a bocal Não me venha com essa ladainha de bruxal Não atirei três vezes. Atirei quatro...


A CartomanteWhere stories live. Discover now