Confiança

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First passou a semana inteira vagando pela casa como um fantasma, apenas quando a ansiedade o sufocava ele ia até a academia e passava horas forçando seu corpo ao limite. Nenhum de seus subordinados ousava se aproximar, nem mesmo Arun conseguia se sentir confortável perto dele. A mente de First repassava em looping aquela discussão descabida que ele e Khaotung tiveram. First queria bater em si mesmo toda vez que lembrava ter acusado Khaotung de traí-lo. Que filho da puta ingrato ele era! Ele merecia que Khaotung desistisse dele, merecia seu silêncio, merecia que ele se afastasse para sempre e deixasse First lidar sozinho com toda a sua merda. Pedir desculpas poderia consertar as coisas entre eles? Talvez, mas First não conseguia acreditar nisso, pra ele pedir desculpas nunca foi o suficiente pra consertar nada, imagine resolver uma discussão do tamanho daquela. First jamais poderia considerar isso.

O grande problema era que First estava sentindo falta de Khaotung, tanto que em uma noite qualquer, como se tivesse falando apenas sobre o tempo, ele admitiu isso em voz alta.

— Senhor? - Arun não tinha entendido, quer dizer, ele achava não ter entendido. Não era possível ter ouvido certo.

— Eu sinto falta dele. - First estava sentado no sofá, os ombros caídos, os cotovelos apoiados contra os joelhos e um copo de Whisky bem seguro pelos dedos.

— Do seu pai, senhor? - Arun arriscou. O rosto de First se contorceu em uma carranca e ele ficou em silêncio por tempo suficiente para Arun começar a se retirar da sala.

— Khaotung. Eu sinto falta dele. - Foi preciso muito esforço de Arun para não deixar seu sorriso satisfeito em evidência. Ele pressionou os lábios juntos e se retirou rapidamente da sala.

Claro que Arun sabia que First sentia falta de Khaotung. Ele mesmo tinha visto isso chegando conforme First se deixava abater enquanto esperava impacientemente que o rapaz atravessasse a porta com seu sorriso fácil e provocações que o faziam sair do sério em poucos minutos. Na verdade, Arun acompanhou, por anos, o desenvolvimento lento e totalmente inevitável de First e Khaotung, desde as pegadinhas infantis até os flertes disfarçados. Arun via First gargalhar com os bilhetes que seguiam os presentes de Khaotung, ele via o rosto do rapaz brilhar com a atenção recebida e mais que isso, Arun acompanhou de perto todas as vezes que First se afundava em lamúrias sempre que Khaotung aparecia supostamente envolvido romanticamente com alguém.

Foi uma surpresa satisfatória ver First correr até Khaotung, passar por cima do seu orgulho e pedir por ajuda na primeira oportunidade, quer dizer, realmente pedir. Arun nunca pensou que veria First se prestar a isso, ele sabia o quanto o rapaz tinha aversão a sequer se aproximar de verdade de Khaotung. O medo de decepcionar o pai, mesmo agora que ele estava morto, parecia um peso grande demais, tanto que First optou por uma alternativa que ninguém jamais cogitou.

No começo o rapaz se mostrava claramente mais agitado e inseguro, mas nos dias em que Khaotung passou vivendo ali, sob o mesmo teto que eles, foi claro que First estava relaxando e deixando seus sentimentos mais à vontade em torno do outro. Arun não podia deixar de se sentir agradecido por Khaotung estar cuidando de First de perto, acordando diversas vezes durante a madrugada apenas para medir a temperatura, trocando os curativos a cada poucas horas, dormindo no sofá e se mantendo por perto só no caso de First precisar de alguma coisa - qualquer coisa. Arun realmente não esperava que Khaotung fosse tão consciente e entregue aos seus sentimentos, mas agradecia por isso. Ele só esperava que os dois pudessem trabalhar suas diferenças antes que fosse tarde demais pra voltar atrás.

Arun se sobressaltou quando pegou o telefone celular e o aparelho, instantaneamente, começou a tocar em sua mão. Ele atendeu a ligação e deu uma risada gostosa para quem quer que estivesse do outro lado da linha.

ToxicWhere stories live. Discover now