12. A guirlanda do cemitério

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No segundo dia, Yago comprovou todas as tradições culturais da ilha, relatadas em seu diário de viagem. Tanta sabedoria acabaria morrendo com os idosos, ou naquele caderno, se providências não fossem tomadas. Ele tinha um objetivo, ao conhecer essas tradições. Primeiro, porque foram elas, por meio daquele caderno, que o fisgaram desde o início. Segundo, porque agora ele era responsável por um negócio, o qual, comprometeu-se em incrementar. Os jovens não demonstravam muito interesse nessas coisas. A maioria deixou a ilha. Mas ele sabia, por experiência própria, que existiam maneiras de atraí-los de volta. Ao mesmo tempo, havia formas de tornar tudo isso lucrativo. Não só para o supermercado, como para a comunidade como um todo.

O mais surpreendente foi o mistério da guirlanda, no cemitério. Yago se sentiu compelido em começar a juntar mais informações. Afinal, a ilha levava o nome de ilha das Guirlandas por algum motivo.

Jandira levou-o para as construções próximas à feira dos pescados, na orla marítima. Tratava–se de um conjunto de oficinas, em que trabalhavam as senhoras guirlandeiras. Yago ficou impressionado com a confecção das guirlandas. Acabou encontrando um sistema coletivo de trabalho artesanal que lhe deu ideias maravilhosas. Era a segunda produção da ilha, além da pesca sazonal. E ambas as produções, ele achou que pudessem ser vendidas no supermercado.

As técnicas de feitura das guirlandas foram passadas de mães para filhas, desde suas ancestrais, quando aportaram na ilha pela primeira vez. No resto do Brasil, a maioria das pessoas conhecia guirlandas de natal – as coroas de advento, que antecediam as quatro semanas do nascimento de Cristo; mas existiam outros tipos, como ornamentais e decorativas. Mas as feitas na ilha eram simplesmente encantadoras.

– A origem das guirlandas nada tem a ver com o Natal – explicou Jandira. – Surgiram entre os povos pagãos para atrair a boa sorte, com algumas variações entre gregos e romanos. Mas os bárbaros que invadiram Roma trouxeram a tradição de enfeitar as portas o ano inteiro com guirlandas, para atrair esperança e boa sorte para as famílias residentes. Alguns colocavam os brasões ou algo do tipo. Enfim, é uma tradição incorporada pela Igreja Católica apenas na Idade Média.

– E como você explica que as pessoas que vieram para cá, adotaram tão fortemente essa tradição? – Quis saber Yago.

Ela sorriu, satisfeita com a curiosidade dele. Nunca se cansava de falar sobre isso para os turistas, durante a temporada de verão.

– O povo da ilha das Guirlandas é o resultado de uma miscigenação histórica, produto das migrações, entre outras coisas. Povos que comungam tradições por vezes similares, por vezes idênticas, com significados que se modificam ligeiramente, por conta de suas origens. Mas, como dizem por aí, "todos os caminhos levam à Roma". Pelo menos, no que diz respeito às guirlandas.

"A guirlanda representa o convite à boa sorte, em sua casa... Reparou como cada lugar, aqui, tem uma guirlanda diferenciada? Cada família ou morador coloca a sua personalidade e a sua história nela".

De fato, ele percebeu que a maioria das portas de moradias possuía guirlanda. A pousada mesmo, possuía uma no Bangalô da administração.

Yago pensou em Javier, que não tinha guirlanda alguma. Assim como Dona Eulália, que também não colocou nada na entrada que subia aos apartamentos sobre o supermercado. E nem tampouco os apartamentos tinham guirlandas.

– Tradição e costume não são sinônimos de obrigação – disse Jandira, antecipando a dúvida. Ela estava acostumada, de qualquer maneira, a questionamentos como este. Antes mesmo de serem feitos. – Aqui na ilha, a tradição de colocar guirlandas é fortemente mantida e praticada pelas famílias das guirlandeiras e dos pescadores de origem açoriana, nórdica e os afrodescendentes, fugitivos do quilombo da Paróquia de Rio Vermelho.

A Ilha das Guirlandas | AMAZON COMPLETO Where stories live. Discover now