6. A vaga

0 0 0
                                    

Danika estava exausta.

Ficara até depois da meia noite, corrigindo trabalhos e testes, dando os devidos encaminhamentos para as demandas de seus alunos nas próximas aulas. As tarefas previstas e as alternativas – de recuperação paralela, de estudos, individuais ou em grupo... Tudo isso pode parecer excessivo, mas, na verdade, os testes e trabalhos em grupo são gincanas divertidas e os individuais são feitos dentro da rotina diária dos idosos. Afinal, o ritmo de aprendizagem deles é diferente dos jovens e das crianças. O ensino e o conteúdo não podem ser ofertados da mesma maneira.

De todas as atividades, seus alunos preferiam trabalhos de grupo. Faziam da situação um verdadeiro acontecimento. E se Danika se descuidasse, mobilizavam a vila inteira.

Ela se divertia a valer, vendo que seus alunos encaravam a educação pessoal como parte não só necessária, mas indissociável das práticas culturais.

Finalmente fechou o diário de classe e se espreguiçou. Com um bocejo escandaloso – daqueles que a pessoa só dá quando vive sozinha, Danika levantou–se da cadeira dura e foi até a minicozinha. Encheu sem pressa a caneca com o restinho que havia em sua cafeteira Melitta. Ela havia posto para funcionar assim que chegou da escola.

Sua perdição era o café. Um vício que abraçava sem culpa... E podia beber quantas canecas quisesse; dormia sempre feito um bebê.

Era melhor deixar a cafeteira limpa e já engatilhada para a próxima rodada... Lavou a jarra, colocou na secadora e pôs o filtro novo dentro da cafeteira, com as três colheres bem cheias de pó. Fechou a tampa e deixou assim. Quando voltasse na noite seguinte, era só ligar. Claro que se tratava de um método de "cafezeiro preguiçoso", mas quem iria reclamar? Ela fazia o que lhe desse na telha. E se quisesse peidar no meio da sala, quem iria recriminá-la com horror?

Quem poderia ficar chateada, sim, era a sua pobre shitzu, Cora. Ainda mais por ter ficado sem o passeio costumeiro, devido às tarefas da tutora. Danika apostava que a vaidosa cadelinha – toda delicada e limpinha – tolerava ficar sem passeio, mas não tolerava uma tutora peidorenta.

Cora levantou a cabeça de sua almofada cor de rosa e a inclinou de um lado para o outro, tentando compreendê-la. Danika encarou–a de volta.

– O problema, fofinha, é que você vai ficar sem passeio amanhã, também, pois a "mamãe" estará morta de cansaço. Vou tentar dormir até mais tarde...

Uma das vantagens de se morar literalmente em cima do emprego.

De um dos empregos.

Danika ocupava uma das quitinetes do segundo piso do Supermercado – reservado aos funcionários. Com exceção de Javier, que alugou uma casinha perto do bosque do cemitério.

Danika pagava um aluguel módico à Eulália; sendo que a própria dona morava num apartamento maior na parte frontal da construção.

Taí, um sistema que funcionava. Todos, ali, sentiam–se como parte de uma grande família. Conviviam o período inteiro. Sentiam–se mais seguros, contando uns com os outros. Aline, Carlos e seu filho Arlindo, Danika tornaram–se bons vizinhos... E ainda havia quatro quitinetes vagas; geralmente ocupadas na temporada, por amigas de Dona Eulália, ou por funcionários temporários, que vinham de Florianópolis para obter uma renda extra. Eis um estabelecimento que sempre iria precisar de funcionários, enquanto houvesse gente viva na ilha.

O tipo de gente que precisa comer.

Cora sentou–se diante de Danika. Esta lhe lançou um olhar conhecedor. A cachorrinha estava fazendo aquela "pressão silenciosa".

Paciência, bonequinha, pensou, sentindo o amor fluir pela sua pequena Shitzu. Você vai ter que fazer no jornal ou aguentar até de noite.

A Ilha das Guirlandas | AMAZON COMPLETO Where stories live. Discover now