22. "apesar de você"

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ALERTA GATILHO: descrição de tortura.

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"Quando chegar o momento, esse meu sofrimento vou cobrar com juros, juro. Todo esse amor reprimido, esse grito contido, este samba no escuro. Você que inventou a tristeza, ora, tenha a fineza de desinventar. Você vai pagar e é dobrado cada lágrima rolada nesse meu penar"

 Você vai pagar e é dobrado cada lágrima rolada nesse meu penar"

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A tortura tira tudo de você. O poder sob seu corpo, a percepção de tempo e, principalmente, sua dignidade. Meu corpo inteiro treme, meus lábios ressecados denunciam o estado debilitado da minha saúde, meus músculos enrijecidos impedem de eu me mover.

Apenas o que me restou era o orgulho, o orgulho de negar abrir a boca e entregar meus amigos, o orgulho de ser resistente o suficiente até mesmo quando a dor nublava minha mente o suficiente para eu perder a certeza se ainda estava vivo, porque acreditava não ser possível meu corpo suportar tantos machucados, choques e afogamentos. Tudo que me restava quando toda minha dignidade foi arrancada de mim, quando me tornei um corpo nu à mercê de todos golpes desferidos em mim pelos militares, era a petulância de manter meu rosto erguido, encarando os torturadores surtarem e gritarem na minha cara tentando arrancar informações, enquanto eu, mesmo submergido no tipo mais visceral de dor, permanecia guardando a sete chaves os nomes de todos aqueles que se arriscaram ao meu lado.

Não quero soar heróico, nem arrogante, não julgo todos aqueles que vieram antes de mim e não resistiram, acabando contando as informações que eles tentam arrancar a qualquer custo. Estou longe de ser um dos mais resistentes, sei da história de camaradas que viram seus filhos e amantes serem agredidos bem na sua frente e mesmo assim não abriram a boca. Eu não seria capaz de tal coragem, se capturassem qualquer uma das pessoas que amo, minha mãe, meus amigos... Harry, e simplesmente ameaçassem machucá-los na minha frente, eu abriria a boca sem pestanejar, não sou benevolente e leal ao ponto de colocar um pequeno grupo de pessoas que amo abaixo de um grupo bem maior. Sei que isso é errado, sei que não tenho o direito de foder uma revolução inteira em nome de um capricho de manter quem amo sem experimentar um por cento da dor que experimento.

Por isso não medi esforços para manter a identidade dessas pessoas o mais distante de mim, visitando minha mãe poucas vezes, muitas delas abortando a ideia no meio do caminho ao criar a paranóia que estava sendo seguido. Além disso, meus laços afetivos se restringem a locais fechados e distantes dos olhos das dezenas de militares infiltrados, espionando a vida daqueles considerados perigosos para o regime.

É duro convencer a si mesmo que não está na pior situação que poderia estar, é difícil encontrar algo bom em meio ao momento mais humilhante ao qual foi submetido. Mas eu me esforço, repetindo a mim mesmo que simplesmente preciso tolerar apenas a minha própria dor, que aqueles que amo estão seguros e bem. Meu tórax lateja, minha boca espuma, as extremidades do meu corpo pulsam dolorosamente, queimando, meu coração batendo dolorosamente contra minha caixa torácica, fazendo eu ter a desesperadora sensação que dessa vez meu corpo não vai tolerar essa sessão.

The Red Sound I l.s.Where stories live. Discover now