Por que eu não sou mais uma novidade

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Por que? Por que estou abaixo desse concreto chuvoso querendo ter a relva abaixo de mim? Por que preciso manter-me neste lugar seco quando lá fora a grama parece tão fresca? 

Por que a chuva que cai lá fora parece doce, e esses chuviscos que caem de seus olhos parecem tão salgados? Eles deixam um gosto amargo no seu rosto. Se eu remover essa amargura, você finalmente vai me levar para a areia que está úmida lá fora? Eu gosto de quando você fica cheirando a sal, de quando sua pele é beijada e amaciada pelo mar, e de como a maresia mantém esse perfume constante em você ao invadir nosso lar pela janela. Porém, já faz um tempo que eu não te vejo, já faz um tempo que a maresia não te cumprimenta, já faz um tempo que eu não desço as escadas, já faz um tempo que eu não passo pelo portão.

Quando tempo vai levar para você querer fazer as coisas para mim de novo? Quando tempo vai levar para você voltar a se preocupar com meu bem estar? Tenho medo que um dia você esqueça de acariciar meu coração, que esqueça que jurou me amar mesmo quando eu estivesse adulto, que jurou que eu seria seu melhor amigo, que me olharia sempre com o mesmo afeto ao dispor tempo para se divertir comigo, que me manteria perto de sí, quando eu não entendia o quão perigoso era fugir.

Agora, tudo o que você faz é sombra sobre meus olhos, quando acordo com você olhando minhas orelhas mexerem depois da noite que me assusta: por que você chegou tarde de novo; por que não sou mais algo para mostrar para os seus amigos, pois não há mais beleza juvenil para deixa-los extasiados.

Eu sei, você já percebeu, eu sou uma vida, não uma decoração. Eu sou uma responsabilidade, eu sou gasto, e agora não há mais carinho para compensa-ló.

Mas eu entendo seu olhar, isso não basta? Eu sei quando algo de ruim aconteceu, e eu tento lhe animar, isso não basta? Mesmo não sendo da mesma espécie, eu aprendi a te amar, e a te respeitar, mesmo você tendo me tirado de minha própria mãe, isso não basta? Não importa a hora, quando você chega eu sempre estarei na porta esperando ansiosamente, não importa o quão silencioso seja a sua chegada, e quão escuro esteja, quando a luz é impedida de chegar mas o calor não. Mas isso não importa, por que agora, que se mudou para um lugar menor, entre tantos móveis que você poderia abrir mão, você decidiu desapegar justo do membro que você disse que era da família, que cresceu, e não irá caber lá. É que eu realmente me tornei imenso. De afeto! E o seu coração está apegado a tantas coisas que não há espaço para acolher o meu. O tanto de amor que eu gero briga com o espaço que o descaso reivindicou!

Futura Memória da ExistênciaWhere stories live. Discover now