Espelho Quebrado

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Eu sempre procurava por um lasco, por uma ranhura, em cada imagem, em cada móvel, em cada construção: algo que mostrasse uma falha, como um pedaço de um espelho há muito quebrado, como se fosse um teste de ilusão, me mostrando a verdade há muito construída e enfim concluída. O que procurava para afirmar uma extensão alem da térrea, não em mim, mas em tudo.

Tudo a minha volta. Tudo que me toca. Tudo que não posso deixar de tocar. Tudo longe, tão ínfimo. Tão claro, que se olho errado me queima. Quando as sombras estão escondidas para as pessoas não ousarem a sí completar.

Estou sempre tocando algo: uma roupa, um ar, um respiro, um desejo de flerte, e tudo reflete e fere e incomoda. Tudo tão torto e embaçado, torcido até formarem pontas afiadas e nebulosas, vendo entre a névoa ao redor daquele que causa dor.

Ando assim, carregando este corpo pesado, e deixando que a água da chuva que piso então me sugue, e me consuma, e eu ascenda em outra forma, para chorar sob as nuvens, caindo ácida sobre peles quebradas. Pele que eu toco e puxo, querendo algo além de um tecido marrom que cobre a música do meu coração.

E se minha pele fosse como água? Eu poderia namorar a chuva e um dia tocar o céu.

E se as nuvens me deixassem brincar de tempestade? A tristeza ouviria essa batida dentro de mim, que avança como trovão e buscaria os pés quentes da alegria para deitar a cabeça.

E quando encarnada em chuva, já não mais existiria: seria fada adormecida sobre as pálpebras dos poetas. Comeria a ansiedade antes que ela chegasse aos seus olhos.

Futura Memória da ExistênciaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora