Por que o rei a olhava tanto?

Pior.

Por que gostava de ser olhada daquele jeito?

Ædyth era estranha aos olhares que os homens locais a dirigiam. Não percebia a beleza herdada da mãe, a herança antiga germânica em si e a qual tinha sido motivo de orgulho para os pais. Mas mesmo então, era insignificante. Que ela tinha de excepcional? Muitas das mulheres locais tinham o mesmo par de olhos que o seu, de cor até mais bonita. Seus cabelos eram comuns e, embora longos, frequentemente estavam trançados à maneira local—ainda que fosse solteira e de vez em quando pudesse usá-los soltos.

Além disso, não era Canute dinamarquês que vinha de uma linhagem de guerreiros que tinham causados tantos danos não somente à santa Igreja e seus obreiros, mas também à nobilíssima Inglaterra, molhando de vermelho a terra com o sangue de seus habitantes?

Como Deus poderia permitir sua ascensão? Ao observá-lo com uma mescla de terror e aversão, somente concluiu que era uma chaga para castigar a Inglaterra depois de anos de fraqueza e corrupção—o reinado de Æthelred teria começado com um assassinato, o de seu meio-irmão Edmund que virou mártir como outro rei que levava seu nome, embora séculos os separassem.

Por essa razão, Deus achou pertinente levar Edmund e enviar para longe seus filhos, deixando um pagão no trono para que sofrêssemos as consequências de um reino fraco e impuro. Preciso ter paciência.

Entretanto, em meio aos pensamentos turbulentos que afligiam sua mente e a distraiam da conversa entre seu irmão e o rei, seus próprios olhos não se esquivavam da figura de Canute. Sua presença era deveras impactante para ignorá-lo.

Ele era alto, ela reparou. Sua altura o destacava dos demais homens, cuja maioria não chegava aos um metro e oitenta centímetros, que dirá a 1,85 cm.  Seus cabelos eram dourados como sol e caiam sobre os ombros, soltos e sebosos. Quanto ao rosto, pequenas cicatrizes despontavam aqui e ali sem aparecer muito; uma barba aparada próximo ao ruivo cobria pouco o maxilar, o que Ædyth julgou pouco elegante. Mas quando os olhos dele encontraram os dela, sentiu as maçãs do rosto queimarem e ela prontamente deixou de analisá-los, achando mais interessante fitar os próprios pés.

Aqueles eram olhos castanhos de mel que eram tão intensos quanto se os possuísse na cor azul, contemplou Ædyth em seu íntimo. Era como se vislumbrasse o pecado.

E tal perspectiva a deixou nervosa, ainda mais quando seu irmão a cutucou de leve nas costelas.

"O rei está a esperando."

Ædyth levantou o rosto e reparou que Canute não desviou o olhar de si. Engolindo em seco, disse:

"Perdão, senhor. Estive perdida em meus pensamentos, uma vez que não seria adequado que eu me intrometesse nos assuntos que dizem respeito aos senhores."

Ele sorriu diante daquela resposta.

"E, no entanto, gostaria de ouvir sua senhoria. Também não é filha do falecido conde?"

Havia algo naquele olhar que perfurava sua alma, como uma coruja que enxerga no abismo e, ao final da escuridão, pia para anunciar o amanhecer do sol adormecido.

Entretanto, não sou nenhum sol. Minha alma repousa em Deus e não nos assuntos dos homens. Todavia, seu pensamento não chegou aos lábios. Enquanto ele a despia com os olhos, não era em Deus que pensava.

Diante daquela constatação, Ædyth se forçou a concentrar-se no presente. Mascarando sua afetação pela presença régia de um rei que até então julgava indigno do trono inglês, respondeu-o enfim:

Sol AdormecidoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora