Norwich.

Os primeiros raios cortavam o véu da noite, omitindo as estrelas que ilustravam o breu de ontem. Era inverno, porém, e o nascer do sol não significava calor.

Apesar disso, Ædyth já se achava desperta. Sob pesados cobertores de lã, a jovem irmã do novo conde de East Anglia se recusava deixar o conforto de sua cama para iniciar sua rotina.

Entretanto, muito em breve as senhoras virão cumprir suas tarefas e serei daqui arrancada.

Seu olhar se fixou sobre a janela acortinada. Perguntou-se se nevava. Se sim, não poderia ir ao vilarejo distribuir pão com o padre Æthebaldo. Tinha feito frio ultimamente e ela se preocupava com os mais pobres.

Talvez a opção mais adequada seja receber aqueles homens e mulheres no salão e oferecer um banquete.

Enquanto alimentava aquela ideia, as portas se abriram repentinamente. As senhoras Æflæd e Æmma vieram despi-la e vesti-la em trajes de corte. Por ser um dia mais frio, o vestido escolhido era azul claro e seu material era feito de veludo.

"Bom dia, senhora", elas a cumprimentaram.

"Espero que tenha dormido bem", disse Æmma.

"Agradeço. E a vocês também", disse Ædith, polidamente.

Não era muito falante de manhã, mas conhecia a etiqueta. Depois de pequenas palavras trocadas, seu cabelo foi escovado. Por ser solteira, ainda era permitido usar o cabelo solto. Mas o cobriu com um véu branco para reforçar sua virgindade e o prendeu sobre a fronte com uma tiara prateada.

Depois de colocar seletos anéis nos dedos e brincos nas orelhas, Ædyth finalmente saiu dos aposentos. Dirigiu-se à capela. Lá, seu capelão a aguardava com alguns membros da casa. Seu irmão, porém, não contava entre eles.

"Minha senhora", padre Æthelstan a recebeu com um meneio de cabeça. "Seu irmão partiu cedo para resolver questões locais. Pediu-me que o informasse que não o esperasse para a primeira refeição do dia."

Ædith assentiu, desinteressada nas políticas de Osferth.

"Tudo bem." E, tomando seu lugar de costume, disse: "Podemos começar, padre."

Assim, ele deu início à breve homilia a partir da leitura feita sobre os Atos dos Apóstolos. A tudo, nobre donzela ouvia com atenção. A fome material detinha pouco poder sobre a espiritual. Era mais importante ouvir a Palavra do Senhor. E, sabendo que sua vocação em servi-Lo tinha lhe  sido retirada, aquele se tornou o único momento em que sua fé era genuinamente respeitada.

Meia hora depois, seu dia dava início. Ædyth detinha pouca influência na corte de seu irmão e, sabendo de seu lugar no mundo, não buscava contradizê-lo. Contudo, era observadora e sua inteligência era tão afiada quanto o era uma espada.

Por essa razão, muitos da região vinham procurá-la para resolver seus problemas. E ao lado de seu capelão e dos homens confiados por seu irmão em sua ausência para conduzir os assuntos de East Anglia, ela procurava consultá-los a fim de deixar a ultima decisão sobre eles. No entanto, seu interesse verdadeiro residia nos estudos e em ajudar aos pobres, além da música e da dança.

"O clima não está recomendável para que saiamos do castelo", dizia o padre Æthelstan. "Deixamos para amanhã a entrega dos pães, senhora."

Ædyth não gostou da resposta.

"E o povo deve morrer de fome, padre? Não posso me sentar e voltar minha atenção à costura sabendo que falhei em meu dever cristão."

"A ordem do mundo não deve ser mudada nem a vontade de Deus deve ser questionada, filha."

Sol AdormecidoWhere stories live. Discover now