XVI. A proposta mórbida

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#ÉPascal

O vazio existencial não parece ser grande coisa quando ele é visto de fora. Mas, quando se está dentro, a par de tudo, é sim uma grande coisa. E é um grande egoísmo pensar nele individualmente.

Há duas semanas atrás, o meu pai morreu.

Há duas semanas atrás, descobri que o meu amor da vida passada hoje é um indivíduo diferente.

Há duas semanas atrás, desisti dos testes da UNB.

Há duas semanas atrás, me senti vazio ao ponto de atravessar a floresta e gritar sozinho, como se alguém fosse me ouvir. Eu supliquei de joelhos, deitei-me na terra e escutei o som do escuro. Desejei que tudo se dissipasse, que a dor do meu interior fosse enterrada na profundidade da terra, para que eu não a regasse e promovesse a minha sede de vingança. Embora eu tenha sentido um vazio, refletido nele individualmente, percebi que a minha perda é muito maior. Decidi não ser egoísta desta vez.

Apesar de não entrar em consenso com minha mãe, de ela achar estúpido eu ter desistido de uma jornada que poderia abrir os meus caminhos, eu finalmente entendi. Meu pai queria me proteger de todas essas loucuras rotineiras, pois eu possuo uma especialidade que poucos têm. Alguns matariam para tê-la.

Ando me acostumando com a sensação de obter essa particularidade, e para não decair em outras possíveis vulnerabilidades, estou ocupando o meu tempo com máximo de hobbies. Ontem eu fui ao lago, buscando novos cristais. Dessa vez, a apatia tomou conta de mim e eu não experimentei nada.

Tenho guardado os sentimentos, ansiando ser movido pela razão. Tenho guardado os meus soluços e buscado razões para que aquilo tivesse sido feito. Não as encontro, o meu mental está exausto e eu não dou a mínima. Meu quarto permanece numa bagunça enorme, com papéis, caixas e fotos em cima da cama. As flores que ganhei estão mortas, mesmo dentro de um vaso com água. Revivê-las tornou-se uma rotina, acarinhá-las, também. Meus dedos as tocam, como se tocassem na superfície de um alguém invisível. Como se eu pudesse tocá-lo e dizer que sinto muito, que eu deveria ter feito algo para impedir. Depois de tantos encobrimentos, descobri a razão principal; papai tentou driblar as consequências para que eu não fosse atingido.

Eu fui, do mesmo jeito.

A casa dos Jeon's está vazia, vão se fazer duas semanas. À noite, enquanto durmo, não me importo se vou ter pesadelos, pois queria que um certo indivíduo viesse me salvar novamente. Mas, dessa vez, ele não veio.

Não veio para mim.

Talvez eu tenha ficado chateado — Quem se importa? Não sou mais criança. Lidar com os meus problemas deveria ser a minha única exclusividade. De vez em quando, pego-me refletindo nisso.

A superficialidade dos problemas. Posso lamentar, choramingar como fiz, mas nada vai mudar o que ocorreu. Nada vai mudar o meu desejo de retaliar o que me foi tirado. As maiores revoluções foram feitas assim, não é? Não deveria ser diferente.

É meio cômico observar as posturas dos vizinhos, seus olhos tristes, a boca meio muda e as palavras — como sempre — dizendo, "Eu sinto pena de vocês", mas disfarçado de "Meus pêsames". Essas mesmas expressões vem de quem fala à beça sobre o nosso pentagrama que colocamos na porta quando é Natal. Ou, como nós comemoramos, no dia do Yule. Acho que morreriam se soubessem que o Natal foi um plágio mal feito dos nossos costumes pagãos.

E, como havia premeditado, um dos nossos vizinhos me entrega uma cesta de frutas, passando a mão enrugada nos meus fios. Sei que a intenção é boa, mas dou alguns passos, hesitando.

Nova Salém | pjm + jjkOnde as histórias ganham vida. Descobre agora