Introdução

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Ramon

Sem data

sem local

Chuva forte, venta muito.

Estou encostado na parede, sobre um colchão que esfarelava.
Vou acompanhando a água que vem de fora aproximar de mim, em forma de uma poça que a cada relâmpago lá fora, me mostra que está avançando.

O barulho logo vem, sempre vem após a luz prata que passa por baixo da porta junto com a água.

Eu tapo os ouvidos e aperto os olhos com força.Fiz isso tantas vezes, que minha cabeça começa a doer.

A casa, feita de pedaços de madeira, fica debaixo da via do metrô, no Jacarézinho.

Cada vez que um vagão passava, o barulho e a tremulação da estrutura fazia parecer que algo muito pesado cairia sobre minha cabeça; tinha visões terríveis na minha mente, de como seria morrer esmagado por um metrô de várias toneladas.

Eu odiava viver aqui.

Tinha apenas 9 anos, na época, e posso afirmar que morava sozinho.

Não tenho idéia de quanto tempo faz que não vejo minha mãe.

Nunca sei quando vou comer, e quando como é por que alguém no bar do Dicó pagou um lanche, ou pelo menos me deu o resto do salgado que vem com suco.

O líquido negro mostra que está mais próximo do meu colchão; silenciosa e gelada como uma serpente a cada flash lá de fora, ela acende aqui , mais perto de mim.

TUC, TUC, TUC

Olho na escuridão, sem enxergar, sendo guiado pelo som, a goteira que bate direto numa lata de mantimento fechada, porém vazia. Logo depois outra e outra.

Agora são 3 goteiras grossas.

Será que existe a possibilidade de encher tanto a ponto de me cobrir aqui?

Eu preciso ficar de pé!Coloco minhas mãos atrás das costas e encosto na parede.

Será que hoje minha mãe volta?

A luz do céu vem, vejo a agua atingindo o colchão, tapo os ouvidos; quando aperto os olhos dessa vez, falo com o Deus da tia da igreja que sempre me dá o cachorro quente no final do culto "Deus te abençoe".

Deus, me abençoa? Traz a minha mãe agora? Eu tô com medo...

Sinto a serpente líquida beijar meus pés enquanto uma gota quente desce pelos meus olhos.

Volto do meu devaneio, que me levou pra 15 anos atrás, na minha infância 

O rancor e a mágoa frescos como se tivesse sido há 15 dias.

Como ela pôde ter sido tão cruel comigo, com uma criança?

Qualquer pessoa que escrotiza criança com tortura, abuso, o que for, fode com a minha paciência num nível mil grau.

Eu sei o que é amedrontador pra uma criança; e pior, eu sei que não dá pra recuperar nunca mais...

A chuva cai magoando, violenta.

Uma cascata espumante vai descendo a ladeira.

Jogo a fumaça pro alto e olho o tom cor de chumbo no céu.

Um relâmpago brabo estoura tudo, no momento que um raio rasga o céu bem na minha frente. Apagão geral!

Levanto o boné e debruço na mureta feita de madeira grossa, nessa casa com pegada veraneio.

A água gelada começa a dar moca na cabeça e vai escorrendo pela minha nuca; gelada, pesada, impiedosa.

Balanço a cabeça de um lado pro outro e os respingos batem no resto do meu corpo seco.

Fico ereto de novo e passo a mão pelo cabelo baixinho, dou mais uma puxada sorrindo praquela que já causou terror por tanto tempo na minha infância!

Vários obstáculos na vida...Eu fui superando cada um deles...Sozinho!

O prazer da superação é foda! Gosto muito! Te faz se sentir forte pra caralho, invencível!

Eu achei que nada mais pudesse me vencer, mas...

Eu não sabia de nada...

Degustação
- Novo Dono II - O Legado

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