Capítulo IV - O Espelho

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— Aonde vais? — perguntou Irina quando Ohali se levantou subitamente.

— À casa de banho — respondeu.

Xande continuava descontraído, colocou outro cigarro entre os beiços enquanto procurava desesperadamente pelo isqueiro.

O cheiro a tabaco e a humidade dominaram aquela casa fundindo-se num odor difícil de identificar.

Ohali, naquele pequeno lugar iluminado por uma vela quase no fim - o qual ninguém teria a amabilidade de chamar de "casa de banho" - olhava para o espelho que exibia a mais estranha expressão do seu rosto, uma mistura de desapontamento e nojo.

«Por que eu sou assim?», Indagou-se olhando para as mãos «Por que tive de ser assim?!».

Este momento lembrou-lhe de um dia deveras estranho. Fora uma tarde onde ele coçava a cabeça pensando nas mil e uma coisas que ele podia desenhar na primeira página em branco do seu bloco de desenho. Nada lhe ocorria, perambulou o quarteirão de lá para cá e não encontrou inspiração até chegar um pequeno bar onde um bando de homens bebia como se não houvesse amanhã. Eles eram um tanto miseráveis... Mas como podiam eles divertir-se tanto, rir até molhar as calças e esbanjar dinheiro nisso se tinham família para sustentar? Um deles chamou o rapaz.
"Tens uns olhos muito bonitos menino, te pareces com alguém só não me lembro quem, se continuares assim ainda és morto... Vê lá se a polícia não te apanha ouvi dizer que eles estão na tua cola... Cuidado!" dissera o homem. Na altura Ohali ficou perplexo achava que não devia dar ouvidos nas palavras de alguém longe de estar sóbrio. Naquele mesmo dia o rapaz chegou a casa e sem mais nem menos desenhou um espelho... Duas horas depois Irina chegou a casa com um espelho idêntico ao seu desenho. Seria coincidência?

Um som estranho interrompeu-lhe os pensamentos, parecia ter ouvido uma voz... Observou os reflexos no espelho e viu um vulto passar rapidamente pela janela. Olhou lentamente sobre o seus ombros e não havia nada. Porém quando tornou a olhar pelo espelho lá estava o vulto. Pensando que estava a ver coisas o rapaz esbofeteou-se e se lançou ao chão húmido e frio abraçando os joelhos. Adormeceu ao som da chuva.

Alguma coisa despertou-lhe dum pesadelo e sem mais nem menos decidiu espreitar pela janela para ver se havia alguém lá fora. Através dos relâmpagos intermitentes o rapaz pôde observar a rua, a chuva antes espessa e abrupta se reduzira em meros chuviscos, os trovões soavam como se viessem do longínquo. O fluxo de água escorria bairro abaixo formando um monte de pequenas lagoas, Ohali já conseguia imaginar no trabalho que teria no dia seguinte bem cedo pois Irina provavelmente o obrigaria a livrar-se dessas lagoas, no entanto não havia ninguém lá fora.
Ao decidir sair a vela se esgotou e teve de dirigir-se as apalpadelas até alcançar a tênue luz do candeeiro na sala.

Quando Ohali chegou todos já dormiam tranquilamente. Irina recostou-se a parede e Xande também o fez, cobrindo o rosto com um chapéu. O rapaz teve uma vontade anormal de esboçar pegou num papel e lápis e começou traçar... Parecia que o lápis guiava as suas mãos, ele nem sabia o que estava a fazer mas de alguma forma aquela sensação era-lhe um pouco familiar. De repente as sua mãos tremiam e suavam a cada traço que formava; ele sentia as veias a latejarem e desenhava ainda mais rápido... Esboçou uma porta, mas não uma qualquer, a porta de sua casa - o que era algo estranho de se desenhar. Deixou as mãos o guiarem e fez o contorno de um homem e depois de outro com um trajar deveras formal adentrando a casa.

«Que se passa comigo?! Por que não consigo parar? Quem são essas pessoas?» pensou.

Ohali entrou em pânico não sabia o que passava... Pensou em acordar a mãe, mas logo desistiu quando notou que ela dormia profundamente. O petróleo do candeeiro estava prestes a esgotar-se. Se a luz se apagasse a casa seria engolida numa escuridão total que nem do breu far-se-ia jus.

OhaliΌπου ζουν οι ιστορίες. Ανακάλυψε τώρα