I - Os Jornais

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Publicado na revista Verga, em 10 de dezembro de 1972.

I - Os Jornais

Naquela manhã, havia redescoberto os jornais de meu pai. Esquecidos há anos em um canto mal iluminado do porão, contidos em um caixote que parecia quase ceder, tão velho quanto todos aqueles papéis. Estavam amarelados, empoeirados. Retirei alguns maços, lendo as manchetes de cada um. Procurava o que salvasse meu dia, algo interessante o suficiente para ser relembrado, mas irrelevante ao ponto de já ter sido esquecido. Para minha frustração, muitos possuíam aquelas mesmas notícias que se repetem ano após ano: "O crescente risco do aquecimento global", "Desigualdade social: Aumento no rendimento dos mais ricos e queda aos pobres", "Rio poluído obriga vilarejo a procurar uma nova fonte de água", "Pessoas temem a fome". Notícias que mostram que o mundo infindavelmente continua se degradando, uma degradação "natural", até então eu imaginava. No momento, simplesmente pensei que não poderia escrever algum bom artigo com aquilo.

O trabalho era minha maior preocupação. Apoiado à mesa, recluso em um cubículo, procurava nas segundas páginas, rezando para que meu chefe não cruzasse olhares comigo e reclamasse de minha falta de produtividade. Eram tempos pacatos, e tudo o que eu poderia escrever já estava sendo coberto por outra pessoa: Entretenimento, crime, esportes, e uma longa lista de tópicos com nomes já ao lado. Eram muitos jornalistas para pouca matéria, e eu não duraria muito lá.

Amaldiçoei aquele caixote enquanto descia as escadas para voltar para casa, nenhuma história havia saído dele. Como não ia mais ao trabalho de carro, a caixa seria somente um tremendo peso para carregar por todo o trajeto. Não havia mais dinheiro sequer para a gasolina. Era inverno, mas ainda assim estava quente.

Empurrei a porta. Naquele momento eram quatro horas, lembro-me de ter contemplado aquela tarde anêmica, dando seus primeiros sinais de despedida, e então me pus a andar. No primeiro virar de esquina, vi um homem à pouca distância, recostado à parede, destacava-se. Era bem vestido, em seu rosto havia um sorriso largo e convidativo - Agora, desprezível. Quando me aproximando, simplesmente por aquele ser meu caminho, chamou-me: "Boa tarde, companheiro." Tocando seu chapéu. "Olá!" Acenei com a cabeça ao perceber que falava comigo. Foi então que veio até mim, colocando as mãos no sobretudo caramelo, peculiar para um dia como aquele. "Você parece ter uma bela coleção de jornais, não estou certo?" Fitou-os, mas logo retomou seu olhar para mim. "Ah, estes? São antigos, trouxe-os de casa." O que automaticamente deduzi foi que desejava o jornal de hoje, que talvez tivesse pensado que eu era um entregador. "Eu posso vê-los?" Pareceu-me tão interessado que não pude rejeitá-lo, mesmo que desejasse somente voltar para casa.

Ali passamos alguns minutos, folheava delicadamente no cesto cada edição, correndo os olhos pelas manchetes e logo revelando outra. A face que vi era uma face de entusiasmo ao ler algumas delas, era como um colecionador tropeçando com uma raridade de seu ramo. "Você os venderia? Dez dólares por cada jornal?" No momento em que ofertou, já parecia ciente de que iria os levar. Mesmo que fossem de alguma forma queridos por um antepassado meu, precisava de dinheiro, eram dez dólares por algo que hoje não seria vendido por sequer cinquenta centavos. Foi o momento em que tudo começou.

Fomos, em silêncio, até um bar do outro lado da rua, com o único intuito de apoiar o caixote em uma mesa para assim facilitar o processo de pegar os jornais. Escolhia-os com facilidade, aqueles que citei no início e outros semelhantes, "O mundo afetado pela segunda guerra" , "Seca atordoa locais com falta de alimento", "A diminuta expectativa de vida para crianças de rua". Sua carteira era repleta de grandes notas, e sem hesitar me entregou 160 dólares, por aqueles 16 jornais velhos, e eu sequer questionei. "Traga-me se encontrar mais, certo?" Disse apertando minha mão. Para mim, era dinheiro "limpo" e fácil. Partimos em direções opostas.

Mais tarde, no mesmo dia, antes de ir para a cama, desci até o porão novamente. A porta estava emperrada, e falhei em abrí-la diversas vezes. É engraçado, quando olhei para cima e vi o quadro de meu pai, que foi movido para sobre a porta em uma tentativa de esquecermos de seu assassinato, senti seu olhar. Era como se aquilo que eu fizesse fosse na verdade uma blasfêmia, vendendo suas coisas, seus artigos. Vejo agora como um aviso, descontente e com todos os motivos possíveis...

De novo e de novo, esse ciclo de vendas continuou por toda uma semana, até que os jornais que aquele homem possuía algum interesse ficaram cada vez mais escassos. Eu já havia notado, eram somente aqueles com problemas mundiais que o instigavam, e dentre vendas, na tentativa de alguma descontração, observei e respondeu-me que era um pesquisador, um sociólogo estudando o jornalismo quanto a esses problemas. Eu havia aceitado, como uma verdade confortável.

Magicamente, dinheiro não era mais um problema tão grande, pelo menos por um curto período. Sobravam três mil dólares naquele mês, tudo graças ao homem.

Quando vendi o que ele queria do último caixote, voltei para casa para mais uma exploração no porão. Sabia que todos os jornais relevantes já haviam sido levados, mas talvez encontrasse alguma outra coisa de interesse, que pudesse ser vendido até mesmo por um preço maior. Estava tão tomado por aquela facilidade que não havia aceitado seu fim.

Horas passaram-se em um piscar naquela noite. Li com velocidade todos os blocos de notas que encontrei, vi tudo de cada prateleira, desenterrei tudo daquelas caixas. Era a mais profunda madrugada, a fadiga tomava conta de mim, quando vi a cabeceira lá aposentada. Abaixei-me para olhar se havia algo em seu vão escuro e... Como o coelho que me faria perseguí-lo até seu buraco, estava largado o caderno.

Minhas mãos tatearam aquele vazio até tocá-lo, puxei-o para fora e sentei-me ali mesmo. Espanto, não é difícil imaginar o quanto isso dominou-me ao ler a primeira sentença, como se pego por algum horror: "Hoje, um homem tentou comprar dos meus jornais pessoais, ofereceu-me dez dólares por cada."

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