Capítulo 33 - Parte Um

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— Não!

Meu berro repercute no quarto fechado. Esperneio e debato-me para soltar-me do agarre que se faz presente em meus pulsos e pernas e cintura, do peso que me mantém no lugar. Minha nuca dói quando me lanço e inclino e bato a cabeça na superfície que me sustenta, uma vã tentativa de fugir dos toques quentes e gelados, gentis e firmes, diversos dedos sobre mim.

Grito e luto para fugir dos olhos que querem arrancar os meus, pelas vozes que querem cegar-me para sempre, pelo reflexo que tenho dos buracos negros onde deveriam estar meus globos oculares. Chuto e acerto às cegas o que tenta me pressionar para baixo, minha traqueia se fechando e minha voz saindo rouca pelo escândalo que faço para me libertar. Mordo com força uma mão que tenta conter meus gritos e... Espere! Mão? Não me lembro de ver mãos.

Ergo minhas pálpebras com dificuldade para encontrar os olhos que me fitam. Mas não tenho que ter medo, mesmo que meus tornozelos cobertos estejam amarrados aos pés da cama e eu esteja sem forças para lutar. Estou rodeada de olhos conhecidos e que não me fariam mal — salvo exceções.

Viro a cabeça para ver todos. Sam, Penny, Frida, Kash, Chia, Daniel, Neena e Magda, a enfermeira calada, que sai de fininho sem emitir som, assim que me vê acordada. Por que me olham como se eu fosse um ser sombrio com três cabeças?

— Que droga, garota, o que deu em você? — Ruge Daniel, apertando a mão contra o peito. — Quase arrancou minha pele.

O círculo de dentes em sua palma me diz quem foi que colocou a mão sobre minha boca. Abro-a, se para desculpar-me ou acusá-lo não posso dizer, mas nada sai dela. Arregalo os olhos com pavor e enfio os dedos dentro dela, arranhando minha gengiva no processo, como que para certificar-me de que minha língua está inteira. Suspiro, aliviada. Ela está aqui.

Sou encarada por rostos intrigados e cheios de compaixão.

— Não tente falar, garotinha — sugere Neena, inexpressiva, com o que acredito ser sua versão de delicadeza. — É tolice e só vai te machucar.

— O que Neena quer dizer — corrige Samantha — é que o repouso é vital para sua recuperação. Suas amídalas estão sensíveis, sua garganta ferida e seu corpo cansado. Precisa dormir e repousar por alguns dias.

Balanço a cabeça, como quem não entende. Quero perguntar o que estão falando. E por que estou na enfermaria outra vez? Lembro-me de ir tomar banho, surtar e... Astrid. Arregalo os olhos novamente. Astrid! Aquela víbora traiçoeira de uma figa...

Tento me levantar, mas sou segurada por Frida, Kash, já que Daniel está incapacitado — e desinclinado — a me ajudar, no momento. Penny se aproxima para segurar meu pulso com expressão chocada, como se sua função fosse simplesmente me conter.

— Achamos que ia morrer — diz ela. Estou surpresa.

Meu balançar ininterrupto de cabeça deixa claro minha desorientação. Quero respostas, quero saber o que aconteceu e por que vim parar aqui.

— Ela quer saber o que houve — Para minha surpresa, é Daniel quem me ajuda a entender, embora não me encare.

Sam suspira e acaricia minha perna, como que para acalmar-me. Seu sorriso é tenso e forçado, embora seja possível ver um brilho discreto e questionável em seu olhar.

— Nori, você foi atacada no banheiro — conta. Não demonstro perturbação. — Lembra-se disso? — Aquiesço, para seu alívio. Nossos acompanhantes tomam seus respectivos lugares nas macas em volta de mim, aguardando o relato conhecido de Sam. — Encontramos você no piso perto da escadaria que conduz ao saguão, acompanhada de alguém que não pudemos ver.

"Astrid", eu quero rosnar. Foi aquela dissimulada que me atacou. Mas, não. Ela não estava sozinha. Recordo-me de ter sentido uma batida forte na parte de trás da cabeça. Alguém a ajudou, alguém que sabia que eu estaria no banheiro àquela hora e sozinha, e, por estranho que seja, por questionável que minha sanidade esteja, eu não acho que foi o marido, Caleb. Há mais gente envolvida nisso.

Artefatos de SangueOnde as histórias ganham vida. Descobre agora