2º Capítulo: Os Mercadores de Corpos

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Flora despertou com um solavanco bruto. Seu corpo estava dolorido, a cabeça girava e o peito ainda ardia. Atordoada, olhou ao redor sem conseguir reconhecer nada. A vista ainda estava um tanto turva, no entanto, era possível distinguir algumas formas, as quais, nenhuma lhe era familiar.

O cheiro era horrível!

O odor parecia com algo em putrefação, o que lhe causava náuseas. Tentou se mover para se afastar daquele cheiro, mas não conseguiu. Foi, então, que Flora percebeu que seus braços estavam atados em uma posição desconfortável às costas e as pernas estavam igualmente presas. Quando tentou dar um puxão, percebeu que algo as mantinha no lugar, provavelmente havia uma corda prendendo seus pés à alguma coisa. Focou o olhar e percebeu que estava presa a uma carroça repleta de corpos de animais e humanos.

Sentou-se assustada e o movimento, dolorido, fez com que vários cadáveres se deslocassem e caíssem em seu colo. O pavor clareou a vista e ela viu os olhos vazios e leitosos que a observavam, reparou nas bocas abertas congeladas em um grito mudo de socorro. Flora não resistiu e gritou com os mortos.

- Cale a boca, menina! – recebeu uma pancada forte na têmpora, o que quase a fez desmaiar novamente.

- A donzela acordou é? – uma voz áspera e catarrenta fez com que Flora vira-se em direção ao condutor da carroça.

A visão voltara a ficar turva, contudo, podia perceber que o condutor era um homem grande e de ombros largos. Os cabelos pareciam longos e revoltos, como se ratos houvessem criado ninhos ali.

- Acordou. Mas, acho que ela deve ter algum tipo de atraso. – o homem voltou a cutuca-la, mas desta vez, com uma intensidade bem menor. – Ei, você! – ele usava a empunhadura de um facão. – Consegue nos entender?

- Consigo... – sua voz saiu áspera e contida.

- Ótimo! – ele suspirou. – Escravas brancas e em condições perfeitas, são bem mais caras do que as dementes.

Flora o encarou assustada, e ao arregalar os olhos, pode ver os dentes podres que ele exibia, algo que combinava com a aparência curvada e a careca cheia de cicatrizes.

- Hey, por que você não a solta? – o condutor perguntou, sem se virar. – No estado em que está, se fugir, não irá muito longe mesmo...

- Acho que tem razão. – ergueu o facão e o aproximou dos pulsos e tornozelos de Flora. – Temos que cuidar bem desta preciosidade e é sempre bom ter corda boa sobrando em mãos. – sorriu, cortando, de forma meticulosa, o nó da corda que a prendia, guardando o material depois. – Vamos conseguir um bom preço por você, queridinha.

Flora empurrou as lágrimas para dentro. Não queria chorar, não podia demonstrar fraqueza. Aqueles homens asquerosos a haviam raptado. Ela precisava bolar um plano e escapar o mais rápido possível, tinha que volta para a sua família.

Sua família!

- Onde... onde... – a voz não saia, tentou limpar a garganta, mas a ação apenas serviu para deixa-la ainda mais dolorida. – Onde está minha família?

- Sua família? – o careca a observou intrigado. – Nós a encontramos sozinha, minha querida. Por acaso fugiu de casa?

- Acho que ela veio de uma das casas queimadas. – o condutor comentou.

- Pode ser... – o outro, que caminhava próximo á carroça, se aproximou o bastante para que Flora pudesse reparar no bafo asqueroso que tinha. – Você vivia em uma daquelas casas próximas à mata?

Ela balançou rapidamente a cabeça, confirmando. O movimento aumentou a náusea, mas, permaneceu firme. Não conseguia se lembrar direito do que acontecera, apenas tinha flashes breves de homens atacando sua casa, fogo e uma corrida desenfreada até o limite da relva.

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