Chapter Two

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Paloma Carter

Um ponto vermelho surge ao longe. Reconhecendo-o, corro mais rápido, ignorando a sensação de vigia e perseguição que me cutuca. Seguro um grito de medo na garganta, porque não quero atrair nenhum tipo de atenção perigosa para mim e para a figura que cresce na visão embaçada pelo choro, mas tomo cuidado para não aterrorizá-la com o peso da minha corrida.

Reduzo a velocidade quando vejo melhor seu corpinho coberto pela luz laranja do único poste ao longo da rua assustadora. Ela rodopia, sem fazer barulho, sem sequer chorar, tentando ver além da luz, abrindo tanto os olhos que sinto a amplitude de seus sentidos prematuros à todo vapor. Seus antebraços estão cruzados contra o peito; seus sapatinhos brancos traçam círculos tontos no chão.

− Hilenie. – chamo num sussurro sufocado pela vontade crescente de explodir num choro barulhento.

Ela congela virada para mim, provavelmente recobrando sua calma por me ver. Inala o ar três vezes seguidas, depois exala. Levanto seu corpo do chão e a aperto contra meu peito, dividida entre correr do perigo do lugar e enchê-la de beijos. Seu cheiro familiar elimina um pouco da minha adrenalina e sinto seu coraçãozinho bater rápido contra o meu num rítmo coordenado pelo pânico mútuo por ela ter sido deixada à mercê de coisas perigosas.

− Tenho medo, mah. Ele me deixou aqui sozinha. – sua língua presa desenha as palavras e as empurra para fora, uma à uma, a cada vez que esvazia os pulmões. Sinto o punho delas doer em meu estômago.

−  Sinto muito, meu amor. – sussurro, os lábios contra sua têmpora − Me desculpa por você ter que passar por isso. – digo enquanto saio da luz com passos desesperados, rezando para que ninguém nos tenha visto.

Seus braços finos apertam meu pescoço e ela tosse.

− Shh! Não vamos fazer barulho até sairmos daqui. Está muito escuro e temos que correr para casa sem fazer barulho, sim? – sinto ela assentir – Já passou. Estou aqui. Você não está mais sozinha, ok? – ela assente novamente e não se mexe. Usa apenas os dedos de uma das mãozinhas para acariciar a parte traseira do meu pescoço.

Me acariciar sempre a envolveu em calmaria, e fico feliz que suas batidas cardíacas estejam a reduzir o impacto enquanto corro escuridão densa adentro, fazendo o mínimo de barulho possível. Meus pés batem em pequenas poças de água suja que há pouco antes de uma encruzilhada, de onde um odor de erva queimada vem acompanhado de risos e trocas de berros entre pelo menos cinco homens. Agora os noto.

Sussurro um palavrão, travo bruscamente e olho para trás. O caminho nas minhas costas me parece menos aterrorizante, de repente. Hilenie estremece contra mim e eu choramingo de medo por ela, meu estômago numa bagunça de gelo.

− Ai, meu Deus!

Vou contra a parede ao meu lado, totalmente desnorteada e sem saber o que fazer para nos tirar do perigo potencial. Me aperto mais contra ela como se fosse desaparecer na sua dureza, mas, para meu desencanto, nada disso acontece.
Jogo o olhar de um lado para o outro, tento controlar a respiração e transparecer pelo contacto de minhas mãos que está tudo bem. Seu carinho na minha pele trava e ela me aperta um pouco mais, aparentemente não convencida disso.

O que eu faço?
Para onde vou?
Como vou nos tirar daqui?

Estou tão presa nos meus pensamentos desesperados que quase não noto dois homens tropeçarem pela bola de luz de onde saímos e falarem alto demais que não irei para muito longe. Um arrepio rasga minha espinha. Agora que sei que o perigo aumenta gradualmente, desprendo minhas costas da parede para começar a correr antes que minha cabeça possa processar tal movimento. Os berros da frente ficam mais altos, mais perto, e meus pulmões doem mais e mais enquanto repito um mantra corrido na minha mente.

ASHESWhere stories live. Discover now