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Às duas da madrugada, o telefone acordou Nicole e ela ouviu Dick atender, lá na "cama inquieta", que era como eles chamavam a cama de Dick, no outro quarto.

— Oui, oui... Mais à qui est-ce queje parle? Oui. A voz de Dick denotava surpresa. — Mas não poderia eu falar com uma das senhoras, senhor oficial? São ambas damas da alta sociedade, relacionadas com pessoas importantes, que podem causar complicações políticas muito graves... É verdade, garanto-lhe... Muito bem, veremos.

Dick levantou-se e, ao analisar a situação, conhecendo-se como se conhecia, soube que tomaria uma providência. A antiga e fatal afabilidade, o velho e forte encanto voltaram com um brado: "Usem-me!" Teria que ir dar um jeito num caso ao qual não ligava a mínima importância, porque no princípio da vida se habituara a ser querido, talvez desde o momento em que compreendera que ele era a última esperança de um clã decadente. Em ocasião semelhante, na clínica de Dohmler, sentido este poder, fizera sua escolha; escolhera Ofélia, escolhera o

doce veneno, e bebera-o. Querendo, acima de tudo, ser valente e bom, desejara, ainda mais do que isso, ser amado. Assim fora. E assim sempre seria, pensou Dick, ao ouvir o tilintar do telefone arcaico, quando desligou.

Houve uma longa pausa. Nicole perguntou, do seu quarto:

— Que foi? Que aconteceu?

Dick começara a vestir-se, assim que desligara.

— E do posto policial de Antibes. Detiveram Mary North e aquela Sibley-Biers. E coisa séria... O agente não explicou, repetia apenas que não houve mortes e que não se trata de acidente de automóvel, mas deu a entender que acontecera todo o resto.

— Por que cargas-d'água telefonaram a você? Acho muito estranho.

Elas têm que sair sob fiança, para salvar a cara, e somente um proprietário nos Alpes Marítimos pode prestar fiança.

— Elas têm topete!

— Não me incomodo. Em todo caso, vou apanhar Gausse no hotel...

Nicole ficou acordada depois que ele partiu, imaginando que crime

teriam as duas cometido. Logo adormeceu. Um pouco depois das três, quando Dick voltou, sentou-se na cama completamente acordada, e exclamou: "Quê?", como se falasse a alguém no sonho.

— E uma história extraordinária — disse Dick.

Sentou-se ao pé da cama e contou-lhe que arrancara o velho Gausse de uma verdadeira cama alsaciana, dissera-lhe que raspasse o fundo do cofre e juntos tinham ido para o posto policial.

— Não gosto de ajudar aquela inglesa — resmungou Gausse.

Mary North e lady Caroline, metidas em uniformes de marinheiros

franceses, estavam sentadas num banco do lado de fora de duas sórdidas celas. A última tinha o ar ultrajado de uma súdita britânica que parecia esperar que a frota do Mediterrâneo viesse em seu auxílio. Mary Minghetti estava em estado de pânico e colapso — literalmente atirou-se ao estômago de Dick, como se fosse aquele o ponto de melhor associação, suplicando-lhe que fizesse alguma coisa. Enquanto isso, o chefe de polícia explicava o caso a Gausse, que ouvia cada palavra com relutância, dividido entre dois sentimentos — mostrar que apreciava as qualidades de narrador do oficial, ou indicar que, como um perfeito servidor, a história não o escandalizava.

— Foi apenas uma brincadeira — dizia lady Caroline, com desdém. — Fingíamos que éramos marinheiros em férias, e apanhamos duas pequenas tolas. Elas desconfiaram e fizeram uma cena horrível, numa pensão.

Suave é a Noite (1934)Nơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ