34 | ESTRAGO PERFEITO

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Já haviam se passado alguns minutos desde que Hanna saíra do sono profundo, mas ainda continuava imóvel na cama. Sua respiração estava desregulada e seu corpo suado.

Ethan, Ethan, Ethan, Ethan.

Olhava desnorteada para os lados, extremamente confusa, aflita e temerosa com o que acabara de acontecer — o sonho que acabara de ter.

O nome voltava a se repetir em sua mente, martelando com leveza. Então o silêncio reinou novamente e um único ditado soou em seus ouvidos, levando-a repetir baixo:

Seja livre.

O leve tremor de suas cordas vocais a fizeram acordar para a vida. Estaria livre?

Não, ela repetia a si mesma, sempre fui e nunca soube.

Tirou a fina coberta de cima de si e apertou os olhos ao piscar. O entardecer finalizava e o anoitecer subia. Tateou por seu celular e o achou jogado desleixadamente em sua cama. Seis da noite, marcava o visor.

Levantou-se pesadamente da cama e olhou-se no espelho alto de seu quarto, analisando cada mínimo ponto e detalhe de seu corpo, indo dos pés descalços a suas olheiras extenuantes embaixo de seus cálidos, sôfregos e inchados olhos. Havia dormido por uma tarde inteira e seu rosto amassado demonstrava isso. Analisou cada pequena, quase invisível, pintinha de sardas em torno de seu nariz. Havia também seus olhos tão verdes quanto jade, seu nariz arrebitado e seus macios e levemente ressecados lábios vermelhos-rosa. Por fim, olhara seus cabelos cor-de-laranja, semelhantes ao fogo em brasa. Atentou-se a cada fio de cabelo visível, fitando cada ponta ressecada e cada raiz escurecida devido a recente falta de pintura.

Seu corpo modelado, mas nem tanto, sem comparações com modelos ou deusas gregas, estava coberto com o mesmo vestido da noite anterior que sairia com Peter.

Sairia. Futuro do pretérito: um futuro que nunca aconteceu. Ah como ela queria que esse verbo fosse perfeito, pretérito perfeito: saiu.

Observava cada curva possível de se observar, cada cicatriz incapaz de se ver e cada remendo provável de se imaginar.

Tinha um metro e sessenta e sete desde a última vez que se medira. Não era baixa, não era alta.

Não era gorda, não era magra.

Não era ela, não era ele.

Era ela, não era ele.

Cada curva acentuada, cada pedaço feito, cada peça observável, cada fio desbotado. Cada pedaço de seu corpo era dela, não dele. Era ela, não ele. Havia semelhanças, havia diferenças, mas era ela, mesmo assim, e sempre foi ela.

Sutil e hesitantemente, como se tivesse medo ou receio, tocou delicadamente com a ponta de seus dedos sobre o rosto, apreciando o mínimo tato, apreciando o mínimo detalhe. Se apreciando.

Então sorriu de leve, passando os dedos sobre os cálidos lábios, sentindo-os com êxtase. Sentia não só os lábios, como o sentimento que aquele simples tato transmitia: um traço de felicidade. Estava feliz.

Estava feliz por ser ela. Por ver que sempre foi ela, e não Ethan, mas fechou-se para isso, preferindo a doce e cega ignorância.

Oh, como se sentia ela.

Ouvira a expressão de choque e preocupação de alguém no batente da porta. Ao olhar para o lado, vislumbra a feição cansada de sua mãe.

— Hanna...!

Agatha correu em sua direção e a abraçou tão apertado quanto podia. Fez Hanna derreter-se, apreciando o toque com um quê de carinho. Também a fez sentir um quê de culpa e ressentimento.

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