✴ XI - Dália & Céu ✴

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"Porque, embora meu, nunca me cedeste nem um pouco do teu passado e de tua natureza. E, inquieto, eu começava a compreender que não exigias de mim que eu cedesse nada da minha para te amar..."

– Laços de Família; Clarice Lispector.

✴✴✴

Quando abri a porta ainda não acreditava, mas Victor logo se provou real, soltando uma baforada de cigarro em meu rosto. Ele tinha olheiras e havia emagrecido desde meses atrás, quando o vi pela primeira vez, o que me fez breve e secretamente feliz.

- Não tenho muito tempo e não quero mesmo me estender aqui, mas apesar de tudo Dália foi mãe do meu filho.

Ouvir seu nome sendo referido no passado fez a ferida em meu peito arder como brasa.

- O que você quer?

Ele suspirou, tirando algo da bolsa que tinha nas mãos.

- Dália deixou uma coisa pra você no testamento, não é nada de valor então não se anime, eu realmente nem sei porque ela deixou isso - ele apertou uma caixinha azul contra meu peito com violência, a agarrei depressa com medo que caísse. - Bom, foi isso, passar bem.

Victor se virou e eu não fiz questão de agradecer muito menos me despedir. Trêmula, bati a porta com força e cambaleei até o sofá, o sol da tarde me fez lembrar de suas marcas brilhantes e do dourado de seus cabelos. Respirei fundo, tentando não chorar, mas as lágrimas simplesmente vieram quando encontrei o colar de borboleta dentro da caixa.

Debaixo da jóia havia um pequeno cartão, manchado de batom e enrugado como se tivesse respingado algo em algum momento. Segurei a borboleta dourada com força, enquanto abria o pequeno pedaço de papel cartão branco, limpando meus olhos com as costas das mãos para que as lágrimas não me impedissem de ver.

Sua letra era linda.

"Eu sempre admirei as borboletas, e achei que a metamorfose também fosse pra mim, mas acontece que há pessoas que simplesmente terminam com asas defeituosas. O breve tempo que compartilhei com você me fez experimentar o céu, então por favor, pequena borboleta, voe por nós duas... Sua Dália."

Apertei o papel contra o peito, a corrente do colar sacudindo e acariciando minha pele enquanto os soluços faziam meu corpo tremer. Aquela era a única parte que me havia sobrado de você, e eu com toda certeza voaria.

Talvez, lá do alto, eu pudesse enfim ver você.

Espero que tenha sido boa a sensação de voar...

Caos • Romance Sáfico [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now