✴ VII - Dália & Rosa ✴

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"E como uma borboleta, Ana prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu."

– Laços de Família; CLARICE LISPECTOR.

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Dália [1]

Encarei a tela acesa do celular. Estava sentada em meu tapete em pleno às duas e quarenta e sete da noite de um sábado, fazendo trabalhos de design pra uma velha amiga da escola. Sempre me sentia melhor comigo mesma quando alguém confiava nos meus questionáveis talentos com artes visuais. No entanto, toda aquela situação me fazia sentir ansiosa, pois queria verdadeiramente saber o que diabos Dália queria comigo naquela hora da madrugada.

Gemendo em derrota agarrei o aparelho, clicando no ícone de mensagem para ver a conversa.

"Estou na sua porta, pode me deixar entrar?"

Tirei os fones de ouvido e Renato Russo se calou, a voz grave e reconfortante deu lugar a batidas fracas na porta. Arregalei os olhos, a taquicardia do pânico corroendo todos os meus sentidos, eu nem estava apropriadamente vestida. Usava uma calcinha cor-de-rosa e uma blusa do Mickey que mal cobria alguma coisa, apesar de Dália já ter me visto sem nada eu achei melhor não sugerir nenhum tipo de melhora na nossa estranha relação.

Agarrei meu short de pijama para emergências - que ficava estrategicamente dobrado perto da TV -, vesti-me enquanto gritava um "já vou" para a pessoa na porta. Tomei ar mecanicamente, contei até dez, e enfim girei a maçaneta.

Dália me encarou com suas enormes íris translúcidas, haviam manchas pesadas obscurecendo a parte inferior de seus olhos, vincos nas bochechas. Deu um sorriso sem emoção, erguendo uma sacola cor-de-rosa com uma logo que não conhecia, parecia incapaz de falar.

- Se eu te pedisse um abraço seria estranho, mas eu posso entrar?

Abri a boca sem saber o que dizer, então dei um suspiro de derrota e dei espaço para que entrasse. Dália passou por mim fazendo o máximo para não me tocar, ela parecia mais magra desde a última vez em que a vi. Dália encarou o notebook aberto sobre a mesinha desmontável, também encarou as latas de cerveja e energético que se acumulavam no canto da sala.

- Eu trouxe mini-pizzas e suco de laranja.

Estendeu a sacola, achei que seria muita falta de educação da minha parte não aceitar, e eu estava realmente com fome.

- Valeu - agarrei a sacola - pode se sentar.

Dália soltou a embalagem e eu me virei para ir buscar pratos e copos. O cheiro de queijo derretido e orégano tomou toda a minha cozinha, coloquei as massas em dois pratos, separando-as por sabor - quatro de queijo e quatro de calabresa -, também peguei copos e de alguma forma consegui carregar tudo - incluindo a garrafa de suco - até a sala. Dália se ajoelhou no tapete e me ajudou a colocar as coisas na mesa, tirou meu computador de lá para liberar espaço e colocou-o sobre o sofá.

- Acho que eu deveria pedir desculpa - chiou quando me acomodei à sua frente.

- Você não tem que fazer merda nenhuma se não achar que deve.

Ela encolheu os ombros.

- Na verdade eu tenho certeza que deveria pedir desculpa.

Dei de ombros, enchendo minha boca com comida, Dália revirou os olhos me vendo mastigar de um jeito exagerado.

- Já passou - balbuciei com a boca cheia.

- Puta merda Tabatha, será que você poderia me ouvir?

Franzi o cenho, engolindo toda a comida de uma só vez, minha garganta doeu.

Caos • Romance Sáfico [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now