Capítulo 9

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TRÊS ANOS ANTES DO FIM

Quando tinha nove anos, Aguinaldo viu sua mãe ir embora de casa. Ela explicou que não podia lidar com nada naquele momento e que precisava ir para longe.

Não vai ser pra sempre, tá bom? — ela disse.

Olhando em sua expressão, Aguinaldo não conseguiu ficar aliviado. Ela nem estava olhando para ele. Estava de costas já com o pé para fora de casa, como se nada do que ele dissesse pudesse fazê-la mudar de opinião. Mas ele tentou mesmo assim.

— Mamãe, eu amo você.

Ao dizer essas palavras, a expressão no rosto dela foi de tristeza. Isso deixou o garoto ainda mais confuso, pois sempre acreditou que dizer isso resolvesse tudo. Mas mesmo assim, ela foi embora. Em um dia, estava fazendo o jantar e rindo, e em outro nada. Ontem ela disse que o amava mais do que tudo, e hoje simplesmente saiu sem dizer nada.

Depois disso, Aguinaldo percebeu que os sentimentos prendiam as pessoas umas às outras e que nem sempre isso era bom. Às vezes as pessoas queriam ir embora, e falar o que está sentindo só prejudica os outros e a si mesmo. Seus sentimentos causaram tristeza em sua mãe, a última coisa que ele se lembrava dela era daquela expressão desolada. Ele nunca mais queria fazer isso com alguém.

Por mais que gostasse de Martnália, nunca quis revelar seus sentimentos daquela maneira. Foi muito abrupto e era óbvio que ela não desejava aquilo. Foi vergonhoso. Uma parte de seu coração até sentiu um pouco de alívio por ela ter rejeitado sem enrolação.

Contudo, apesar de ter feito Emê de Martnália passar por tudo isso, Aguinaldo não conseguia entender o motivo de ela continuar sendo sua amiga por quase um ano inteirinho. Era no mínimo estranho, já que ele não se considerava assim tão legal.

E assim, nove meses haviam se passado desde que Aguinaldo, Emê de Martnália, Beltassamo e Elcione se tornaram amigos. Durante esse tempo, eles se tornaram algo muito peculiar. A maioria dos alunos diria que eram o grupo mais improvável de todos os tempos: um nerd, um idiota atraente, a garota mais alta do colégio, e a atleta mais popular. Às vezes, as coisas mais improváveis são as que dão mais certo.

Durante esse período, os quatro se entenderam e Aguinaldo até passou a sentir uma mínima simpatia por Elcione. Apesar de ser muito sonsa, escandalosa e insuportavelmente feliz, ela também era esforçada, ele tinha de admitir. Já que foi por uma sugestão de Elcione que eles acabaram juntando forças para estudar e conversar sobre o futuro, dando mais abertura para a amizade.

Beltassamo revelou que pretendia fazer qualquer coisa que fosse bem remunerada, de acordo com ele mesmo, poderia fazer qualquer coisa com muita habilidade, os outros discordaram mas ele não mudou de ideia; Emê de Martnália disse que iria investir no esporte, já que sua treinadora tinha dito que ela realmente teria um futuro muito promissor se continuasse se esforçando; Aguinaldo queria fazer uma faculdade, ele ainda não sabia exatamente o que queria, mas sabia o que não queria: trabalhar com pessoas; e Elcione contou que iria ajudar seus avós, com quem ela morava, a cuidar do pequeno negócio que eles tinham, um barzinho.

Então, nove meses desde o primeiro encontro dessas quatro criaturas, e no último dia de aula do primeiro ano do ensino médio, estava prestes a acontecer algo que mudaria totalmente o curso da vida desses quatro, outra vez.

•••

O professor estava contando suas memórias do segundo ano, provavelmente inventando a maior parte, em uma falha tentativa de animar os alunos para o ano seguinte. Aguinaldo manejava a lapiseira em sua mão, girando ela entre seus dedos sem realmente prestar atenção em nada do mundo externo. Seus pensamentos estavam nas férias, imaginando o que aconteceria. Nesses nove meses, nada havia mudado entre ele e Emê de Martnália, mas por causa de todo o contato que estava tendo com ela, não conseguia deixar de gostar dela. De vez em quando eles ainda trocavam olhares que definitivamente significavam algo, e quando ela tocava acidentalmente ou propositalmente em sua mão ou eles esbarravam seus joelhos, Aguinaldo tinha certeza de nunca iria parar de gostar de Emê. Isso logicamente o deixava muito incomodado, porque não sabia o que fazer com esses sentimentos que já tinham sido rejeitados.

Todos Nós Que Estamos VivosWhere stories live. Discover now