Parte 3: Quatro anos depois do fim

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❝Um de nós está solitário
Um de nós está apenas
Esperando por uma ligação
Se lamentando
Sentindo-se estúpida, sentindo-se pequena
Desejando que nunca tivesse partido

—Abba, One of us.

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As pessoas reagem às coisas ruins de maneiras diferentes. Quando recebem uma notícia ruim, alguns surtam e começam a gritar, outras começam a tremer e choram baixinho, outros aguentam o tranco e só choram quando estão sozinhas. Emê de Martnália demorava um pouco para raciocinar sobre a gravidade do problema, ficava horas, às vezes até dias, agindo como se tudo estivesse bem. Até que de repente, tudo vinha de maneira torrencial e a pegava em cheio.

Por exemplo, enquanto estava dentro do ônibus voltando para Fotocópolis, ela começou a reparar em como não conseguia acreditar que estava indo para o velório dele. Por mais que já tivesse chorado, o motivo tinha sido as lembranças de quatro anos atrás. Se lembrava das coisas que tinham passado juntos, e às vezes até sorria sozinha. Porque de vez em quando, recordava algo engraçado, algo que Elcione disse e a maneira como ele reagiu, ou quando Beltassamo zombava das coisas que ele dizia, ou como eles sempre se divertiam quando estavam juntos. Lembrar dessas coisas aquecia seu coração, pois apesar da situação deplorável em que se encontrava, se sentia um pouquinho melhor por ter tido a oportunidade de viver aquilo com alguém. Se pudesse, voltaria no tempo e congelaria cada segundo, aproveitaria mais, seria menos desconfiada, menos rabugenta, e muito menos ingrata. Talvez assim o final pudesse ter sido diferente, e ela não precisaria estar indo para o velório dele.

Mas não podia voltar no tempo, não podia mudar o curso das coisas, nem deixar de se arrepender por tudo isso.

Então, seus olhos e nariz começaram a coçar, ela sentia que estava prestes a chorar, e chorar de novo tornaria tudo real demais. Em questão de segundos,  uma das vozes em seu cérebro avisou:

Ele morreu.
Ele morreu e você não se despediu.
Você não pediu desculpas.
E aquelas memórias não estão congeladas, aquele tempo se foi.
Já passou e não vai voltar.
E ele morreu.
Ele morreu.
Ele morreu.

E aos poucos, sua ficha ia caindo. Porque Emê de Martnália demorava para reagir às coisas, enrolava o máximo possível como se pudesse evitar o que acontecia. Mas não podia, era um fato. Ele tinha morrido. E nada podia mudar isso.

Emê começou a sentir o peso de toda a situação em seu peito, que começou a arder. As lágrimas que já deviam ter acabado, ressurgiram. E ela desejou ser Elcione, que transformava tudo o que a fazia sofrer em piadas; ou Beltassamo que sabia explicar muito bem o que sentia; ou Aguinaldo que mesmo sofrendo, fingia não estar, porque fingir era melhor do que nada.

Ela só não queria ter que ser ela mesma. Todos eles eram melhores, lidavam melhor com os problemas e eram pessoas mais gentis.

Como estava dentro de um ônibus, tentou ao máximo disfarçar que chorava. Nem conseguia se lembrar de como havia conseguido uma folga de sua chefe, só sabia que tinha ligado para ela.

Com o peito doendo de tanto arder, lágrimas que segurava ao máximo mas que mesmo assim caíam, e memórias lindas de algo que perdeu, Emê de Martnália ia em rumo ao seu passado, com medo, remorso, saudade e muita tristeza.

O FIM, QUATRO ANOS ANTES

Fugiu a semana toda. Desligou o celular, não saiu de casa, nem foi a própria formatura. Quando alguém aparecia perguntando sobre ela, pedia para seus pais dizerem que estava dormindo.

Sentia um buraco negro dentro do peito, consumindo tudo. Era a sensação de estar em queda livre, sem nunca chegar ao fundo. Só cair, e ficar cada vez mais longe da superfície. E ela sabia que quando sentia isso, poderia facilmente puxar os outros junto para o precipício.

Foi só no nono dia que se descuidou e foi pega de surpresa. Eles estavam todos lá, e seus pais tinham saído. Antes de perceber, tinham entrado sem pedir licença. Queriam explicações que ela ainda não estava pronta para dar.

— Onde você estava?

— O que aconteceu?

— Você está bem?

— Por que sumiu?

As pessoas estavam sempre perguntando porque ela sumia. Queriam explicações do motivo de sempre fugir. Ela mesma não sabia.

— Emê...

— Eu só... — tentou falar, mas não tinha o que dizer. Sua garganta estava seca. Não queria ver ninguém. — Preciso de espaço... eu ...

— Você tem noção do quanto está sendo egoísta? Nós só queremos ajudar.

Engoliu em seco. Sabia que estava sendo egoísta, tinha escutado a mesma coisa a semana inteira. Mas não se importava. Queria acreditar que essa era uma daquelas poucas vezes que Deus perdoa o que ela estava fazendo. Pois não era de maldade, não era mesmo. Ela só não tinha aprendido a lidar com tudo aquilo. Precisava de mais tempo.

— Eu...

— Para de fugir! Você não pode se esconder pra sempre!

— Espaço... eu... preciso de tempo. — Sua mão estava tremendo, a respiração falhando. Eles não deveriam estar ali. Queria que eles fossem embora. Não se sentia pronta para ver ninguém.

— Ficar sozinha não vai ajudar Emê!

— VOCÊ NÃO SABE DISSO! — gritou. — Você não sabe sobre nada.

Todo o seu corpo estava tremendo. Olhou para a expressão incrédula de cada um deles e sentiu vergonha e raiva por estarem ali.

— Por favor, vão embora — pediu no tom mais brando que conseguiu.

Então olhou para o chão, porque sabia que ele estava olhando para seu rosto o tempo todo e ainda não tinha dito nada. Ele nunca dizia nada. Aguinaldo sempre entendia. Mas Emê não queria que ele entendesse daquela vez. Queria que ele fosse embora.

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Oiê! Tudo bem? 🤠

Como foi sua semana? Me conte...

Finalmente tivemos um pequeno vislumbre do que vai acontecer no fim, ein 👀😌

O que você acha que aconteceu? O que está achando desse momento?

Muito obrigada por sua leitura, e o voto que eu sei que você deixou 😆♥️

Beijos, até a próxima 😘

Todos Nós Que Estamos VivosWhere stories live. Discover now