Rejeição

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A família da garota sabia exatamente o que acontecia com ela. Eu tinha certeza que eles a haviam vendido. Isso é muito comum acontecer em famílias pobres da região. E eu tive certeza de que sabiam quando arregalaram os olhos ao ver meu distintivo. E mais certeza ainda quando me perguntaram se era algo sobre a filha, e quando eu disse que não eles disfarçaram. Meu faro não falha. Mas como sempre, era quase impossível provar alguma coisa, e eu tinha um BO muito maior nas mãos. Mas com o meu coração mole, fiquei com pena da garota, e já que eu tinha deixado ela na casa de Max, achei que ela podia ficar um pouco mais. Ela tinha dezoito e não seria problema para mim. Ao menos não o tipo de problema que uma garota menor de idade me causaria.
Entrei no carro, sem realmente entender a razão que fazem os pais venderem a própria filha. Eles diziam que era a necessidade e que ficariam sem ter o que comer caso não fizessem. Na minha cabeça não entra. Simplesmente não entra. Mas enfim. Cada um sabe onde o sapato aperta. Para aquele lugar a Bruna não voltaria mais.
Quando cheguei ao apartamento de Max, senti o cheiro de comida da porta. A garota estava cozinhando e abriu um sorriso quando me viu.
- Oi. E então?
- O que eu já imaginava.
Ela murchou na hora.
- Eu realmente acreditava que eles não haviam sido capazes.
- Por mim você não volta pra lá. O que quer fazer?
- Eu não tenho opção.
- Pode ficar... Bom... Se quiser.
- E ele?
- O Max? Não, eu não moro aqui. Estou apenas passando uma temporada até alugar alguma coisa. Longa história.
- Entendi.
- De qualquer maneira já falei com ele. Por ele tudo bem.
Ela correu até mim e me abraçou apertado.
- Tá legal, tá legal. Já chega.
- Obrigada.
Ela voltou para as panelas e eu entrei no quarto. Precisava de um banho. Peguei uma roupa qualquer na mochila e fui para o banheiro.
Abri o chuveiro e deixei a água lavar toda aquela sujeira. Mas não a sujeira do corpo. A da alma. Ver a Bruna naquele dia, me trouxe de volta lembranças dolorosas demais.

" Era uma tarde fria de outono. Naquele lugar tudo era frio. Düsseldorf. O lugar onde nasci. Mas fiz questão de sumir assim que pude.
A neve caia lá fora, mas mesmo com a nevasca a casa não parava. Eu podia ouvir os gritos dela enquanto ele a espancava. Tudo era motivo. Um cliente não satisfeito. Uma palavra errada. Qualquer coisa era motivo para uma surra. Ou... Para coisa pior. Eu sabia o que ele estava fazendo. Eu já havia visto. Quando ele batia nela e ela não gritava, ele a punia de outra forma.
Sai de perto da janela e corri até a porta do quarto. Eu havia visto alguma coisa. Ele sempre deixava a porta aberta. Era para eu ver e tentar ajudá-la. Mas ela me alertou:
- Não se meta! Senão ele faz com você. Eu já estou acostumada. Você é minha Edelstein.
Mas naquele dia, algo me puxava para lá. Se eu soubesse o que ia acontece, não teria ido. Mas aquela coisa que eu vi me levou até la. Eu jamais iria se soubesse que no mesmo dia que seria livre, também seria aprisionada em mim mesma.
Quando entrei, ele arremetida nela. Seu pescoço estava em uma posição desproporcional e eu notei que ela estava sufocando. Ele iria mata-la.
Voei para cima dele e quando me viu, ele a soltou e sorriu. Tinha finalmente conseguido o que queria. Ele avançou sobre mim e me rasgou a roupa.
- Vem aqui, heißes Mädchen.
Eu tentei correr, mas ele foi mais ágil e me pegou. Quando já se preparava para fazer o que queria, ouvi uma pancada e ele caiu inerte em cima de mim.
- Vamos Liebe.
Quando peguei meu vestido no chão eu ouvi. Um único som e não pude me virar para olhar.
- Hündin aus der Hölle. - Ele disse e eu entendi. Ele havia atirado nela.
- Veja o que sua mãe fez! Vamos! Olhe!
Me virei para ele e olhei.
- Não pra mim, estúpida!
Eu sabia exatamente para onde eu queria que eu olhasse. Mas eu não queria. Não queria ver minha mãe inerte no chão. Mas ainda sim eu fiz o que ele mandou. Olhei e cai de joelhos ao lado dela.
- Agora você vai ter que ficar no lugar dela!
Olhei para ele com ódio. Eu queria matá-lo. Me levantei e fui em direção a ele..."

Fui tirada de meus devaneios pela voz de  Bruna que batia na porta.
- Dani? Tá tudo bem?
- Tá sim, Bruna.
- Eu chamei e você não respondeu.
- Eu... Não ouvi.
- Tudo bem. O jantar está pronto e o Max já chegou.
- Já estou saindo.
Desliguei o chuveiro e me enxuguei. Vesti a roupa e sai. Não sem antes respirar fundo e colocar um sorriso no rosto.
Quando me sentei à mesa notei o banquete que Bruna havia preparado e sorri. Não é que a menina cozinhava bem?
A comida estava tão boa, que as lembranças ruins foram empurradas para um canto remoto da minha mente.
Me deitei cedo, mas não consegui dormir. Bruna dormia pesado ao meu lado. Eu podia ouvi-la ressonando.
Eu não dormia totalmente no escuro. Não que isso impedisse que eu os visse. Só me sentia mais segura assim. Inacreditavelmente, na casa de Max eu quase não os via. O que me fez pular, no momento em que vi um se materializar na minha frente. Do mesmo jeito que surgiu, ele desapareceu. E então a Bruna gritou.
Corri afobada até ela.
- O que houve?
- Eu... Eu...
- Shhhh. Calma. Foi só um sonho ruim.
- Não.
- Sim. Veja... Você já acordou.
- Você não entende!
Ela parecia nervosa. E então eu entendi.
- O que você sonhou?
- Que uma garota me pedia ajuda.
- Onde?
- Nos... Jardins de Boboli.
- Bruna... Isso é em...
- Florença!
- Mas...
- Ela vai morrer! Se eu não ajudá-la ela vai morrer!
- Já é tarde...
- Não!
- Querida... Eu também vejo essas coisas.
- Eu não vejo. Eu sonho. E quando eu sonho as pessoas morrem.
- Quando eu vejo elas morrem também.
Ela ergueu a cabeça e me encarou de um jeito esquisito. Quase sobrenatural.
- Elas querem que você as ajude a pegar seu assassino. Já eu, elas querem que eu não as deixe morrer. Mas eu sempre deixo.
- Vamos tentar ajudar. Como ela é?
Ela se levantou e abriu a porta do quarto. Voltou com um caderno e um lápis, se sentou ao meu lado e como se estivesse em transe, começou a desenhar.
Ela desenhou uma garota parada na frente do Castelo de Pitti, que fica dentro do Jardim de Boboli.
- Sabe o nome dela?
- Só sei que começa com B.
- Então temos que encontrar a nossa senhora B.
- Em uma semana.
- Que?
- No sétimo dia ela estará morta.
- Não temos nenhuma pista.
- Ela é de florenca. Isso eu tenho certeza.
- Mas será que está lá?
- Não faço a menor idéia.
Bufei.
Me levantei e fui até Max. Achei que ele fosse nos chamar de poucas, mas ele não contextou em nenhum momento sequer. E doze horas depois, estávamos os três em um vôo para a Itália.

CriminalísticaWhere stories live. Discover now