Visão

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Meu namorado foi embora e eu fiquei sozinha em casa. Resolvi tomar um banho.
Estava exausta, mesmo não tendo feito nada. No dia seguinte iria trabalhar. Eu atuava como segurança em uma balada. Meu porte e meus antecedentes como policial ajudaram a encontrar a vaga rapidamente. Mas era um trabalho que eu não gostava. O que eu gostava mesmo era o que eu fazia na Civil. 
Abri o chuveiro, sentindo uma nostalgia. Molhei os cabelos e coloquei o shampoo. Enxaguei o cabelo e quando abri os olhos, vi uma moça me olhando. Ela era preta. E seus olhos eram sem vida. Um arrepio percorreu minha espinha.

- Quem é você? Como entrou aqui?

Ela virou as costas e saiu.
Abri o box e peguei a toalha. Corri atrás dela, mas ela havia sumido. Fiquei intrigada e liguei na portaria.

- Boa tarde Marta. Quem autorizou a entrada daquela moça?
- Que moça, dona Daniela?
- Tinha uma mulher aqui no meu apartamento.
- Só se for alguma moradora...
- Tá bom. Vou ver aqui e qualquer coisa te aviso.

Fui até a porta, queria ver se a mulher ainda estava no corredor. E a porta estava trancada. Por dentro. Do jeito que eu deixei quando meu namorado saiu.

Abri as tranças rapidamente, minhas mãos estavam trêmulas. E quando sai para o corredor, lá estava ela. Parada me olhando. Me aproximei de vagar e ela continuou ali.

- Quem é você?
- Me ajuda. - Falou com uma voz etérea.

E então desapareceu como fumaça.
Eu sabia que aquilo não era minha imaginação. Por mais que eu quisesse que fosse, não era. Haviam muitos anos que aquilo acontecera pela última vez.
Eu tinha quinze anos. Desde que me lembro eu via pessoas. Algumas que eu não conhecia. E outras... Bem outras que eu conhecia e sabia que estavam mortas. Algumas simplesmente apareciam e sumiam. Outras ficavam e brincavam comigo. Nunca me pediram ajuda como agora. Eu apenas as via. Ninguém acreditava em mim. Um dia, a filha de uma vizinha desapareceu. Eu soube o que havia acontecido dois dias depois. Ela apareceu e me contou. Ela havia sido pega por uma mulher, que provavelmente era do mercado negro de órgãos. Ela foi encontrada sem nenhum. Contei a família dela e todos me rechaçaram. Acreditavam que iriam encontrá-la com vida e quando descobriram que eu estava certa, tentaram me culpar. Eu e minha família tivemos que ir embora, então, quando via algo, pedia para que fosse embora. Eu não queria ver nada. E aos poucos foram sumindo. Até agora.
Voltei para o meu apartamento. Troquei de roupa e me deitei. Eram apenas seis da tarde, mas eu precisava me desligar. Não consegui. Cada vez que fechava os olhos via o rosto daquela garota. Me levantei e fui para a garagem e peguei minha moto. Precisava espairecer a cabeça.
Ouvi o ronco do motor e aquilo me fez sentir mais leve. Era como se eu tivesse asas. Ganhei a rua, pilotando sem destino. Mas a imagem daquela garota ainda estava na minha mente. Me ajuda.
Passou um ônibus de viagem e quando olhei, lá estava a garota dentro dele. Segui o veículo, que pegou a rodovia, sentido São Paulo. Ele não parou no pedágio, e eu agradeci aos céus por ter sem parar. Segui o ônibus durante um tempo e quando ele entrou no terminal, memorizei a placa e deixei a moto do lado de fora. Entrei e procurei pelo ônibus. Quando o encontrei, vi que os passageiros já desembarcaram. Esperei que todos saíssem, mas a garota não saiu. Perguntei ao motorista se tinha mais alguém lá e ele negou. Suspirei e me sentei no banco. Derrotada, me levantei e fui caminhando até onde havia deixado a moto. No meio da multidão, vi uma garota parecida com a que eu procurava. Corri até ela, esbarrando em outras pessoas que estavam ali. Mas quando toquei seu ombro e ela se virou, não era ela.

- Me desculpe, achei que era outra pessoa.
- Tudo bem.

Voltei para a moto. Não voltei para casa. Já que estava em São Paulo, não custava nada dar uma passada no distrito. Era do outro lado da cidade, mas para quem já havia seguido um ônibus de Maresias até São Paulo, porque havia visto um fantasma dentro dele, atravessar a cidade não era nada.
(***)
Parei na porta da delegacia. Já passava das nove da noite. Mas eu sabia que Maurício ainda estaria lá. Não sabia ao certo a razão de estar ali. Mas já que estava iria falar com ele.
Passei pela porta e vi que tudo estava exatamente igual. Não havia porque mudar. Na recepção, ainda estava o soldado de sempre.

- Boa noite Edgar.
- Boa noite Pavlova. O que faz aqui? Quanto tempo, hein.
- Bastante não é? Maurício está?
- Lá no IML.
- Obrigada.

Desci a escada conhecida e cheguei lá. Maurício saia pela porta vai e vem.

- Daniela?
- Não me pergunte o que faço aqui.
- Eu sei o que faz aqui.
- Não sabe não.
- Você não dirigiu até aqui a toa.
- Na verdade não dirigi. Pilotei.
- Dá na mesma. Quer ver o corpo?
- É sério Maurício, não quero me envolver nesse caso.
- Ver o corpo não é se envolver.

Eu conhecia muito bem as estratégias dele. Mas me deixei levar. Estava curiosa para saber se o crime era realmente igual ao outro.
Ele abriu a porta e ambos passamos. O legista ainda examinava o corpo.

- Ainda aqui Laerte?
- Sim... Oh! Hei Dani! Quanto tempo hein garota!?
- Muito tempo, não é?

Me aproximei do corpo. Laerte analisava os dedos das mãos. Com certeza a procura de restos de pele. Vi que a garota era negra. Fiz a volta e fiquei de frente a ela. Senti quando a cor abandonou meu rosto.
A mulher que estava ali, era a mesma que eu vi no meu apartamento. A mesma que eu segui até São Paulo.

- Agora eu entendi. - Sussurrei.
- O que Dani?
- Não... Nada.

A garota havia me pedido socorro. Mas por que?

- Já foi identificada?
- Não.
- Banco de dados?
- Verner está analisando isso. Amanhã teremos um parecer.
- Ótimo.
- Mas... Achei que não fosse investigar?

Se fosse pela manhã, eu teria minha resposta na ponta da língua. No entanto, os últimos acontecimentos só me levavam a uma resposta.

- Achou errado. Eu vou descobrir quem matou essa garota!

CriminalísticaWhere stories live. Discover now