Isabelle obedeceu ao seu pedido, um pouco retraída com suas palavras. O ato de olhar ao redor lembrou-lhe do quanto estava terrivelmente incomodada com aquela quantidade de pessoas. Quando o tio levou-a para sua casa e começou a acertar os detalhes do velório, ela assustou-se com a lista de convidados exorbitante. Disse a ele que se caso seu pai pudesse ser consultado, escolheria uma cerimônia íntima, no aconchego de sua própria casa e com a presença apenas dos poucos amigos e dos criados. Enrico elogiou-a pela sensibilidade, mas respondeu que um velório é um evento para os vivos e não para os mortos.

— Está vendo todas essas pessoas? — ele prosseguiu, não se permitindo abalar pelo silêncio dela. — São como abutres. Não se importam se está despedaçada ou se perdeu o desejo de viver. Estão esperando uma só oportunidade para devorar sua carcaça.

— Isso não é lá muito reconfortante — ela comentou, desgostosa.

— Não, não é — concordou Enrico, abrindo um pequeno sorriso. — Mas é a verdade. A questão é que neste momento, minha querida, você precisa se portar como a mais nobre dama da Inglaterra. Somos nós os anfitriões deste evento e como tal devemos receber os nossos convidados.

— Não sei se consigo — Isie confessou, se sentindo cada vez pior. As cobranças das quais lhe falara, ele mesmo estava fazendo.

— Ora, mas é claro que consegue — Enrico contrapôs de imediato. — Estou aqui para ajudá-la no que for necessário. Primeiramente, corrija a postura e sorria. Não deixe que a vejam cabisbaixa ou chorosa sob nenhuma circunstância.

A mão do novo Conde de Greenshire fez uma leve pressão no braço da jovem a fim de encorajá-la a acompanhá-lo, e ela se permitiu ser guiada em direção às portas de entrada da catedral. O tio era o que lhe restara de uma família, não tinha outra escolha senão obedecê-lo, embora não tivesse nem tentado sorrir. Para que sorrir, afinal, se o motivo de toda sua alegria estava trajando vestes fúnebres ali mesmo no centro daquele salão?

Aquele pensamento fez com que Isabelle se lembrasse subitamente de que aquilo não era verdade, de que ela tinha outra alegria além do pai.

— O senhor convidou Lorde Albers e sua família como pedi?

Lorde Green juntou as sobrancelhas, pensativo.

— Lorde Albers? Seria ele o pai do jovem Leonard?

Isabelle se encolheu um pouco, surpresa que ele o conhecesse por nome. Talvez já tivesse ouvido sobre todos os cortejos de Leonard para com ela.

— O próprio.

— Lamento, minha querida, mas já eram tantos nomes na lista... É possível que tenha me esquecido de adicionar algumas pessoas.

Isabelle assentiu, tentando engolir sua decepção. Leonard era a única pessoa que ela fazia questão de que comparecesse àquele velório, a única que poderia proporcionar-lhe algum tipo de consolo, por menor que fosse.

— O caixão parte para Greenshire ao nascer do Sol — Enrico informou, tirando a moça de devaneios tristes e colocando-a em devastadores. — Infelizmente não poderei ir, tenho algumas pendências para resolver na capital pelos próximos dias. Você se importa de enterrá-lo sozinha?

Enterrá-lo sozinha, Isabelle repetiu em pensamento. Ela e o pai, sozinhos. Ora, e já não era assim desde que sua mãe faleceu? Para ela era até preferível que estivessem a sós naquele momento em especial.

— Não se preocupe — respondeu a moça. — Ficaremos bem.

— Ótimo.

Muitos nobres ofereceram suas condolências naquela tarde, mas um em especial cativou a atenção de Isabelle. O homem estava acompanhado de uma jovem e trazia consigo uma rosa negra. Enquanto entregava-lhe a flor, ele alegou sentir muito por aquela fatalidade.

Isabelle analisou a rosa em suas mãos, intrigada. Ela viu aquele homem pela primeira vez durante uma peça de teatro na qual havia comparecido com seu pai logo que chegaram em Londres para a temporada social. Edgar contou-lhe que ele era o Duque de Deville, um dos títulos mais antigos e abastados da Inglaterra. Seu pai contou-lhe também que Deville era um lugar conhecido por sua terra fértil capaz de dar vida às mais belas flores. Mas aquela rosa era negra, e até onde ela sabia, rosas negras não existiam.

Foi então que Isabelle ouviu uma leve risada e seus olhos foram desviados da flor para o rosto diante do seu.

— Minha irmã caçula adora rosas — o duque explicou, com nada além de uma pequena insinuação de sorriso. — Ela pintou essa quando soube que eu compareceria a um velório e pediu-me que lhe entregasse.

Isabelle estava tão destruída que nem mesmo parou para observar o óbvio. Negro era a cor da morte, e aquela rosa negra simbolizava o seu luto. A jovem não conseguiu evitar um sorriso perante aquele gesto bonito e singelo. Agradeceu ao duque de todo o coração e pediu a ele que transmitisse sua gratidão também à sua irmã.

Na noite daquele mesmo dia, quando já estava pronta para dormir e todas as suas coisas devidamente organizadas para a curta viagem que faria para enterrar seu pai na manhã seguinte, Isabelle finalmente conseguiu chorar. Na mesa de cabeceira ao seu lado, a rosa negra repousava em um jarro.

 Na mesa de cabeceira ao seu lado, a rosa negra repousava em um jarro

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Com amor, IsabelleWhere stories live. Discover now