5 - A cabeça da serpente

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Houve tanta luta e correria. Nossa memória não funciona tão bem quanto queremos. Mesmo para as imagens mais fortes e impactantes. Agora são apenas imagens em movimento em poder de nossa mente. Nem o tempo consegue apagar certas imagens... Como quando Erbel animou as grandes estátuas presentes nos templos do Vale. Estátuas de dez metros de altura! Naquele momento, todos como que petrificaram. Tentei contar as estátuas, duas, seis, oito... Tentei seguir seus movimentos, mas não foi possível, pois a noite ficou cada vez mais e mais escura. Que noite terrível.

A vale era como a cabeça da serpente, uma fera que estava nos engolindo de uma só vez.

Que noite terrível.

Então, como se não fosse o bastante, começaram a cair os relâmpagos. Raios sem tempestade.

Insólito. Tantas coisas malucas acontecendo, correndo e lutando. Precisávamos dar um fim àquilo. Alguém tinha que fazê-lo.

Eu fiz.

Eu faria qualquer coisa para voltar para ela. Lyra.

Estávamos exaustos, cansados, com fome, e ocupados. Com tantas emoções no peito, queríamos ver o dia amanhecer.

Os relâmpagos caíam, e eu percebi que eles eram a solução enviada pelos céus. De uma vez por todas. Pois quando os raios atingiram o solo, a terra se fundiu e produziu as afiadas pontas de vidro. As chamadas Flechas do Raio, sagradas para muitos povos. E todos estes povos sabiam que uma flecha do raio atirada no coração de um feiticeiro era infalível.

Com 14 anos de idade eu já tinha visões de relâmpagos e flechas do raio em sonhos, e estas visões sempre me deixaram muito impressionado. Não tanto quanto as visões reais de sua formação.

Arranquei uma delas do chão e olhei para o mago inimigo, envolto em seus feitiços embarreirantes.

Mestre e monstro estavam fazendo exatamente as mesmas coisas, ao mesmo tempo. Mestre e monstro eram um só. Corpo e espírito. Era magia da mais poderosa. E eu tinha a chance de atingir os dois no mesmo instante!

Então lancei o raio no peito do mago. Nem mesmo as suas barreiras mágicas poderiam protegê-lo naquele momento!

Ele caiu e o monstro também. Os dois praticamente caíram ao mesmo tempo. Desmoronaram. O silêncio profundo caiu no vale. Os raios vindos do céu aberto continuavam caindo, mas o som das batalhas instantaneamente cessou. Os carneiros-homens, tigres-homens e crocodilos-homens largaram as suas armas e removeram as suas máscaras esqueléticas gigantes. Aquela batalha já havia durado uma pequena eternidade. Terminou ali.

"Até que enfim um pouco de paz", eu pensei. Nessa hora todos devem ter pensado "o que aconteceu?". O nosso grupo viu Erbel caído e comemorou a vitória logo em seguida. Uma confusão bizarra de incentivos, vivas e palmas.

Erbel ainda estava vivo quando cheguei mais perto. Seus símbolos entalhados no corpo brilhavam num tom avermelhado. Pareciam cicatrizes. Sim, elas eram luminescentes, brilhavam no escuro! E ele usava no braço, como uma luva, uma espécie de carcaça gigante verde-acinzentada, uma carcaça de besouro gigante! Ele cuspiu sangue e falou algumas coisas antes de morrer. "Querem destruir a história! Ameaçam o Legado."

Do que ele estava falando? Lutei para entender. "As pirâmides detém a chave do Legado. Precisam protegê-las", ele disse.

O que era o Legado?

"O Legado são nossas vidas, nossos sonhos, nossos chão, nosso ar", ele disse. "Perícia, magia, conhecimento, tecnologia, engenharia, matemática, astronomia. Nosso espírito. Centenas de milhares de anos de história. Estão ali, no coração das Montanhas do Legado."

"Pergunte primeiro, atire uma Flecha do Raio depois", eu pensei.

Vocês estão rindo, é claro. Acham que eu bebi.

No fim, descobrimos. A causa que ele defendia era nobre, era de preservação, para o bem comum. Entendem agora o que fiz? O que fizemos? Conseguem imaginar? Todas as mortes foram mortes injustas. Nós estávamos querendo acabar com a nossa própria vida. O nosso legado!

O nosso feiticeiro compreendeu o que fizemos e a sua magia atuou mais uma vez. Invocou novas palavras de poder e deu ordens secretas. As criaturas da Fera das Feras endureceram e amontoaram-se mais e mais, tomando a forma de um colossal homem de pedra. Sensacional. Acho que devo ter empalidecido naquela hora. "Quais eram os limites do poder de Kurnya?".

Não terminou por aí. O gigante de pedra se agachou e seu rosto começou a se moldar, tomando a forma de um imenso leão de rocha maciça. O leão deitou-se e ficou estático, como uma estátua. A partir daí, ele tornou-se o Guardião do Legado. O guardião de sabedorias milenares. O protetor de nosso mundo.

Sempre quis contar isso e aí está. Como se sentem agora que sabem o que aconteceu? Espero que tenham se divertido. Agora vocês devem contar a história de sua primeira lua-de-mel. Querem que eu conte a minha?

Deva Sopra CrocodilosWhere stories live. Discover now