56 - O passado sempre volta

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A semana está muito corrida. Hoje é quinta-feira e eu recebi uma ligação da secretaria do Heitor pedindo que eu fosse até lá para que pudéssemos conversar sobre a festa de aniversário da empresa. Tenho que confessar que meu coração se enche de esperança de reencontrar o Apolo. Mas com certeza ele já voltou para o Estados Unidos.
Chego ao escritório e percebo que é ainda maior que o do Fausto. Mas também tinha que ser mesmo pois é uma grande farmacêutica.
- Bom dia, me chamo Camila Rocha e o senhor Heitor está me esperando.  - Falo para a recepcionista.
- Bom dia, senhorita. Ele avisou que você estava vindo.  Aquele é o elevador pessoal,  é só subir. - Ela diz me indicando o elevador.
- Obrigada. – Falo e ela me sorri de volta.
Caminho até o elevador e aperto em um botão onde tem escrito “Presidência”.  É tudo muito moderno, não tenho como evitar o pensamento no Apolo. Será que o escritório dele também é assim? Ai, Deus, tenho que esquecer este ou homem ou vou enlouquecer. Não posso enlouquecer, tenho uma filha para criar e uma vida cheia de problemas. As portas se abrem e eu saio em um lindo e moderno escritório. Heitor está senta em um lindo conjunto de sofás de couro conversando com um senhor que está virado de costas para mim.
- Camila, querida seja bem-vinda. – Heitor fala ao me ver.
- Olá, Heitor. Se você estiver ocupado eu posso esperar para conversarmos.
- Não se preocupe, esse é um velho amigo que estava passando e parou para me cumprimentar. Camila, esse é Jorge Balman. Balman, está é Camila promoter e grande amiga da minha família.
- Prazer. – Eu falo e estendo a mão para o senhor que se vira para mim. Sorrio ainda com a mão estendida. Percebo seu choque ao me ver. – O senhor está bem? – Ele claramente não está se sentindo bem.
- Eu, eu... – Ele gagueja e mexe no nó da gravata.
- Heitor, ele não está bem. Onde tem água? – Pergunto.
- Ali no frigobar. – Ele me aponta o frigobar e vai ajudar o amigo que não se sente bem.
Corro até o frigobar e pego uma garrafinha de água. Corro até os dois e ajudo o senhor a beber a água. Aos poucos ele vai respirando e voltando ao normal. Percebo que a cor começa a voltar para o rosto dele.
- Se sente melhor? – Pergunto segurando sua mão.
- Sim. Me desculpe pelo inconveniente.
- Esta tudo bem, essas coisas acontecem. O importante é que o senhor está bem agora.
- O que houve, Balman? Você tem uma saúde de ferro, nunca te vi desse jeito. – Heitor fala.
- É que essa jovem me lembrou muito a minha filha. Acabei me emocionando demais. – O senhorzinho fala ainda me olhando. – Sinto muito.
- Não precisa se desculpar. Eu entendo. – falo.
- Balman perdeu a filha há muitos anos. Era filha única.
- Sinto muito. Imagino a sua dor, tenho uma filha e ela é tudo para mim.
- Uma princesinha, Balman. Espero que venha para a festa e poderá conhecer a pequena Mirella.
- Sim, vou falar com minha esposa.  – Ele fala. – Bem, eu já vou indo. Desculpem o inconveniente.
- Não precisa se desculpar. – Falo.
- Somos velhos conhecidos Balman, não temos cerimonia, você e meu pai estudaram juntos.
- É verdade, meu grande amigo Manoel, que saudade.
- Eu também. Sinto falta dele todos os dias. – Heitor fala saudoso.
- Bem, eu estou indo. Até logo. – ele se despede novamente.
- Tchau. – Falo.
- Até logo, Balman. – Heitor fala e nós assistimos ele partir. – Vamos sentar, minha querida. – Ele me convida.
- Claro. – Eu o sigo até o sofá.
- Então, como foi a viagem de volta? – Ele pergunta acomodado na poltrona.
- Foi tudo bem, graças a Deus. E você? Pensei que só chegariam amanhã.
- Mudança de planos. Voltamos na segunda. Apolo voltou ainda na sexta. Acho que ficar com a família não é mais tão divertido.  – Ele brinca e eu fico constrangida. – Não precisa ficar vermelha. – Ele brinca.
- Será que o senhor Balman vai ficar bem? Tadinho dele, perder a filha tão cedo. – Comento mudando de assunto.
- Ele vai ficar bem. Ele não perdeu a filha de fato. Eles brigaram feio quando a menina ainda era uma adolescente. Ela foi embora e nunca mais voltou. Digamos que ele tem sua parcela de culpa nesse sofrimento que passou nos últimos anos.
- Muito triste isso. Não me imagino longe da Mirella um só dia.
- Ele tem o temperamento muito forte e, segundo ele, ela também tinha o gênio muito forte, igualzinho a ele. Eu também não me imagino longe da Ari, abandona-la assim. Mesmo que ela fosse difícil eu iria atrás dela até o fim. Eu imagino que você saiba a história de Ariela .
- Sim, o Apolo me contou.
- Em nenhum momento, eu quis soltar a mão da minha filha. Eu estive e sempre estarei aqui para ela.
- Isso é lindo Heitor.
- Infelizmente Balman não pensou no que estava perdendo.
- Sim, isso é muito triste. A família dele é muito conhecida? Esse sobrenome não me é estranho.
- Acredito que sim. São industriais de tradição. Enfim, vamos falar sobre a festa.
- Vamos. – Concordo.
Então começamos a conversar sobre a empresa, a quantidade de funcionários e o que ele esperava desse evento. Acertamos alguns pontos e decidimos conversar novamente na próxima semana. Consuelo irá se juntar a nós para que possamos fazer a lista de convidados juntos.
- Então é isso. Nos vemos na segunda? – Pergunto.
- Na Segunda. Vamos estar te aguardando aqui.
- Perfeito.
- Consuelo e Ari pediram para te lembrar de ir conhecer a escola de dança.
- Eu vou sim.
- Elas estão lá hoje. Você devia aparecer, elas vão amar.
- Já que estou próximo vou lá sim.
- Ótimo. Até logo minha querida. Olha, nós todos gostamos muito de você.
- Obrigada, Heitor. Eu também gosto muito de todos vocês. – Me despeço dele e sigo para o elevador.
Quando saio do elevador começo a procurar as chaves do carro. Como não estava olhando para frente, acabo esbarrando em alguém. Quando levanto a cabeça para me desculpar percebo que é o senhorzinho que estava com o Heitor quando cheguei.
- Desculpe, não estava prestando atenção. – Falo.
- Tudo bem. Você tem alguns minutos? – Ele pergunta.
- Claro. – Digo.
- Tem um café aqui do outro lado da rua. Você se importaria de ir até lá comigo para conversarmos?
- Não. Vamos lá. – A verdade é que apesar de toda essa situação ser muito esquisita eu estou muito curiosa.
Acompanho ele até o café. Ele escolhe uma mesa mais afastada. Apesar da idade ele é um homem muito imponente, muito forte. Deve ter sido muito bonito quando jovem, ainda é na verdade. Fora a elegância e o charme. Ele exala riqueza em seus modos. Ele puxa a cadeira para que eu me sente e depois se acomoda de frente para mim. A garçonete se aproxima e pedimos dois cafés.
- Camila, eu vou ser direto. Desde que eu te vi lá no escritório do Heitor tinha que conversar com você.
- Claro senhor Balman, pode falar.
- Minha querida, há muitos anos não vejo minha filha. Ela foi embora de casa há muito tempo com o homem por quem se apaixonou. Nós brigamos feio e nunca mais nos encontramos. Eu sei que você não é a minha filha, pois ela já é uma mulher, mas eu não podia ficar na dúvida.
- Eu entendo. – Falo.
- Camila, como sua mãe se chama?
- Como assim? – Falo confusa. – O senhor acha que minha mãe pode ser a sua filha perdida?
- Não tenho nada a perder. Se não for ela, vou continuar procurando.
- Bem, minha mãe se chama Dorotéia, nós somos de Salvador, mas mudamos para São Paulo quando eu ainda era bem pequena. – Falo e percebo a emoção em seu rosto.
- Eu não posso acreditar. Depois de tanto anos eu finalmente encontrei minha filha. Camila, você é minha neta.
- Não. Não pode ser.
- Sim, você é. Onde está sua mãe? Me leve até ela agora. Isso é, se o seu pai deixar. Ele jurou nunca mais me deixar ver Dorotéia. Como eles estão? – Ele despeja um monte de informações em mim.
- Bem...- Falo ainda meio confusa. – O papai morreu. – Digo e percebo ele ficar pálido.
- Como assim? Ele era tão jovem. Apenas dois anos mais velho que Dorotéia.
- Ele era vigilante noturno e assaltaram a loja em que ele trabalhava lá em São Paulo, ele foi assassinado.
- Meu Deus. Há quanto tempo foi isso?
- Tem quase 20 anos. Foi logo que chegamos. – Falo revivendo aqueles momentos de dor.
- Dorotéia nunca nos procurou. Esse tempo todo e nada... Como vocês se viraram?
- Mamãe sempre costurou e foi isso que nos sustentou por muito tempo, mas passamos por muitas necessidades até meus 16 anos, foi quando as coisas começaram a mudar.
- O que houve?
- Mamãe conseguiu um emprego melhor em Guarulhos e nós nos mudamos para lá. Pouco tempo depois ela casou novamente e desde então meu padrasto é quem cuida de tudo.
- Ela casou?
-Sim. O Leon mudou nossas vidas. – Falo me lembrando do meu padrasto e do quanto ele é maravilhoso. – Eles têm dois filhos, João e Lúcia de 9 e 8 anos.
- Eu perdi tanta coisa, meu Deus. – Ele diz triste e com lágrimas nos olhos. – Sua avó Doralice nunca mais foi a mesma desde que sua mãe partiu. Ela sofre de depressão.
- Por que vocês deixaram mamãe ir então? Como permitiram que mamãe passasse todos esses anos afastada?
- Camila, eu fiz muitas coisas ruins. Coisas das quais eu me arrependo até hoje. Eu disse coisas terríveis para a sua mãe e conhecendo minha filha como eu conheço, não sei se um dia ela irá me perdoar.
- Foi tão ruim assim?
- Foi, foi muito ruim. Eu afastei minha única filha de mim por puro egoísmo. Eu pensava que o seu pai estava interessado em nosso dinheiro. Então mandei que ela escolhesse ou ele ou a herança. Disse que ela podia esquecer que era uma Balman.
- E ela esqueceu mesmo, nem eu sabia que o sobrenome dela era esse.
- Ela deve ter mudado quando casou com o seu pai.
- Acredito que sim. Olha, senhor Balman, vai ser muito difícil que vocês consigam o perdão da minha mãe. Ela é muito difícil e desconfiada. Ela quase me matou quando fiquei grávida.
- Você me ajuda?
- Vou tentar. Agora estou muito ocupada, mas vou tentar ir a São Paulo conversar com minha mãe.
- Ótimo. Eu vou trazer sua avó para cá. Ela vai ficar tão feliz. Saber que temos netos. Uma bisneta! – ele diz empolgado. – Você tem fotos da sua mãe?
- Tenho sim. -  pego o celular para mostrar.

 -  pego o celular para mostrar

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- Como ela ficou linda. E essa mocinha, quem é? – Ele olha emocionado para a tela.
- É minha filha, Mirella. Essa foto é recente, foi uma viagem que fizemos em família há alguns meses.
- Eu quero tanto conhecer todos. Vamos para São Paulo o quanto antes. – Ele diz.
- Não. É melhor eu ir na frente e conversar com ela, ir preparando terreno.
- Você está certa. Salva meu número e nós vamos nos falando.
- Certo. – Trocamos telefone e combinamos de nos encontrar próxima semana. Ainda não sem o que pensar sobre tudo isso.
Estava indo para casa quando decido ir à escola de dança de Consuelo. Talvez estar em contato com essa família só me machuque ainda mais, mas meu coração pede que eu vá até lá e é isso que eu irei fazer. Estaciono em frente a um casarão antigo ontem tem escrito “Escola de dança Arte e Movimento”.  Entro e vou até à recepção.
- Boa tarde, a Ariela ou a Consuelo estão? – Pergunto à recepcionista.
- Estão sim. Pode subir as escadas elas estão no estúdio 5.
- Ok, obrigada. – Respondo e subo.
Chego na porta da sala e as duas estão ensaiando. É a coisa mais linda, mãe e filha juntas fazendo os mesmos passos em perfeita sincronia, com total controle do corpo. É como se elas se comunicassem com o corpo. Quando a música termina eu aplaudo.
- Bravo! – Grito.
- Ai, meu deus! Camila.- Ari fala e eu ando até ela. Nos abraçamos – Que bom te ver.
- É muito bom ver vocês também. – Falo e abraço Consuelo.
- Que bom que veio conhecer nossa escola. – Consuelo fala.
- Sim, preciso fazer algo novo. Acho que vou começar por aqui. – Falo.
- Perfeito, venha nós vamos te mostrar tudo. – Consuelo fala.
Elas me mostram cada parte da escola. Falam sobre cada estilo de dança e eu percebo o quanto aquilo é importante para elas. Por fim chegamos à sala de Consuelo onde nos sentamos para conversar um pouco mais.
- Tem falado com Apolo? – Ari pergunta.
- Não. Nunca mais nos falamos.
- É uma pena, eu nunca vi meu filho tão encantado por alguém.
- Infelizmente nossas vidas são totalmente diferentes. Não seria justo com nenhum de nós dois.
- As vezes a vida pode nos surpreender, minha querida. – Consuelo fala e eu fico sem entender o que ela quer dizer.

Então o que acharam do vovô Balman?

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