— Preciso de um tempo, você sabe que não vou fugir, nem tenho para onde correr. — Enxugo minhas lágrimas com a costa da mão. — Só por favor, me deixa ir.

Entrei no carro sem mais nenhum protesto dele, assim que bati a porta Anna deu partida. Olhei para ele pelo retrovisor até seu reflexo ser um mero borrão. Apesar dos meus esforços, continuei chorando no banco do carro, Anna não se importava se minha maquiagem mancharia seu estofado caro.

° ° °

Anna morava em um chalé de dois andares tão afastado quando a mansão. A casa era toda de madeira maciça, próximo a uma montanha, assim era ainda mais frio do que eu estava acostumada e bastante isolado.
Ela colocou o carro na garagem e nós saímos, a mesma me levou para dentro, era quentinho e aconchegante, tinha uma prateleira com livros e um computador ligado em cima da mesa.
Anna tirou seu casado, fiz o mesmo cautelosamente, com o corpo tremendo de frio, pavor, tristeza e qualquer outra coisa.

— Fico aqui quando quero escrever, é minha válvula de escape e agora será a sua também. — Seu tom de voz era acolhedor. — Venha, vou preparar um banho quente para você.

Anna ligou a água da banheira para mim, no banheiro do quarto de hóspedes que eu ficaria. Observei tudo ao redor para me distrair, contei todas as janelas mais de duas vezes até ela finalmente sair do banheiro.

— Está pronto, pode ficar a vontade. Qualquer coisa me chama, vou pegar um saco de ervilhas pra a colocar no seu olho.

Assenti com um sorriso fraco e Anna saiu do quarto fechando a porta.
Fui até o banheiro, sentei na borda banheiro e acariciei a superfície da água entre os dedos, tinha cheiro de sais de pêssego e óleo essencial de canela.
Tirei aquele vestido com calma, o tecido escorregou pelo meu corpo estressado.
Levantei o olhos até a pia no canto do banheiro, ainda não tive coragem de ver meu reflexo. Teria que olhar espelho uma hora ou outra. Aproximei-me da pia do banheiro tremendo, apoiei minhas mãos na pedra de mármore branca que acoplada a pia e ergui a cabeça, meu olho esquerdo estava roxo, minha esclera estava tomada por veias dilatadas e a pálpebra caída.
Levei as mãos até os lábios chorando.
A maquiagem borrada deixava tudo pior, de repente havia voltado a 1 ano atrás e estava me curando das feridas que May deixou.

Afastei-me da pia com lágrimas descendo pelas bochechas, minhas costas colidiram com a paredes e por lá fiquei, caí no chão aos prantos, abraçando as pernas e apoiando minha cabeça nos braços.
Os raros momentos bonitos que tive com ele mão compensariam a atrocidade que deixou no meu rosto. Novamente meu corpo inteiro doía, aquele mesmo misto de sentimentos formavam um nó na minha garganta, me impedindo de respirar.
Tentava me convencer de que ele não faria aquilo comigo se soubesse que era eu, mas lembrei de todas as coisas que ele já me disse. Sebastian sempre deixou claro que me mataria, isso era mil vezes pior do que um soco no olho.
Arrastei-me até a banheira e entrei fazendo a água transbordar, assim como a tristeza no meu peito.

Submergi na água e só voltei para superfície quando meus pulmões arderam buscando por ar.
Levei os cabelos para trás observando a água.
Tudo seria diferente se Ethan tivesse mesmo fugido comigo, antes costumava pensar nas coisas que teríamos vividos se aquilo tivesse fim antes da sua morte.
Sinto sua falta.
Ele saberia o que dizer agora, provavelmente me acalentaria nos seus braços e diria que estou bem e posso aguentar mais.

— Não posso Ethan, não aguento mais... — Sussurrei. Espero que meus sussurros cheguem até ele, no céu.

°  °  °

Na manhã seguinte acordei sem conseguir abrir o olho machucado, não me assustei, pois, era o que costumava acontecer quando May pesava a mão.
Levantei da cama usando apenas um roupão, não quis incomodar Anna depois que saí do banho ontem.
Abri a porta do quarto olhando para os lados, caminhei até a sala e avistei Anna em frente ao fogão preparando algo, ela me avistou e abriu um sorriso.

— Bom dia, dormiu bem? — Perguntou olhando discretamente para meu olho. — Vou pegar uma roupa para você depois.

Passo a mão na nuca.

— Sim, dormi.

— Senta — apontou o queixo em direção a cadeira.

Arrastei a cadeira e sentei, em seguida ela colocou um prato com ovos mexidos para mim em cima da mesa e foi buscar uma caneca de café.

— Desculpe, mas não estou com fome.

Ela assentiu.

— Me diz, por que está fazendo essas coisas por mim?

Anna se encostou na bancada ao lado do fogão e tomou um gole de café.

— Porque gostei de você e faria isso por qualquer pessoa na sua situação.

— Por que terminaram? O Sebastian não deve ter sido tão ruim com você quanto é comigo. — Reviro o ovo com o garfo.

Ela deu de ombros e voltou atenção para o bacon na frigideira.

— Nosso namoro era pura conveniência. Crescemos juntos e funcionávamos bem como uma dupla, então nossos pais decidiram que não havia companhia melhor para ambos. — Ela suspira — mas é claro que isso não era verdade.

— O que aconteceu? 

— Combinamos de manter nossa amizade, não teríamos obrigações que os casais normalmente têm e poderíamos sair com quem quiséssemos, mas — ela parou por alguns instantes — eu me apaixonei.

Pisquei algumas vezes, ficamos em silêncio até ela fazer barulho com os pratos do lado de lá.

— Ele disse sentir o mesmo e deveríamos tentar. Fomos um casal feliz por um tempo, íamos nos casar de verdade, só que apareceu uma garota e o forte do Sebastian nunca foi ser fiel.

— Quem é essa garota? É a Lola? — Pergunto.

Anna para de mexer o bacon olhando para frente, parecia se lembrar de algo.

— Não importa, ela morreu. — Respondeu com uma entoação diferente da voz acolhedora, talvez aquela situação toda também lhe deixou abalada. — Foi encontrada morta em meio a floresta.

Fico surpresa com a reviravolta da história, ela percebe e olha para mim, com os lábios elevados.

— Bem, as pessoas dizem que uma máfia rival foi responsável pela morte dela — Anna vem na minha direção com o bacon —, mas ninguém nunca soube. Essas mortes por máfia simplesmente não existem para a polícia daqui.

— Caramba. — Exclamo.

— Quer bacon?

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