V

26 4 0
                                    

"Tem alguém querendo acabar com você". As palavras de Renato tiveram um grande peso para Anna. Nem percebia para onde ele dirigia. Sua cabeça só tinha lugar para aquela sentença. Havia uma pessoa causando tudo aquilo. Mas quem? Quem a odiava tanto ao ponto de planejar essa... Vingança.

Anna pensa nos últimos anos. Tudo o que fez... Magoou, desprezou e humilhou tantas pessoas. Tudo por conta de um ego maldito que não lhe serviu de nada. Ficou cega pelo status, pelo poder a tal ponto que os outros viraram apenas fantoches prontos para serem manipulados de acordo com a sua vontade.

Renato também foi um fantoche. Ele está quieto, mas ela sabe que ele também está pensando no assunto. Quer que ele fale. No entanto, tem medo do que pode ouvir. Será que ele tinha um palpite de quem era o arquiteto dos seus problemas?

Anna continua pensando na muitas opções que tem para refletir. A voz de Renato a traz parcialmente de volta a realidade:

- Não é bom você se expor de dia. Alguém pode te reconhecer. Tem algum lugar para onde queira ir? - ela responde que não, ainda meio distraída. Ele respira fundo antes de continuar - A gente pode ficar no ateliê. Tudo bem pra você?

Com essa ele consegue chamar sua atenção. Anna olha diretamente para ele ao deixar escapar um fraco "tudo". Renato volta a ficar calado, fingindo prestar atenção ao trânsito. O ateliê dele não era nada demais. Apenas um barracão bem arrumado próximo ao principal viaduto da cidade. O lugar onde ele se isolava do mundo para colocar seus sentimentos em forma de quadros.

Não demora muito para chegarem. Renato encosta o carro nos fundos do barracão, na cobertura já reservada para esse fim. Ele desce do carro, sempre olhando em volta para se certificar de que não foram seguidos. Só quando abre a porta dos fundos é que fala para Anna, que permanecia abaixada, escondida no banco da frente, sair.

Assim que entra, Anna olha em volta procurando as provas de que já esteve ali. Nada está muito diferente. Quadros prontos e rascunhos se misturam espalhados pelo espaço razoavelmente confortável. As paredes continuam servindo de abrigo para desenhos lúdicos. A bancada no centro do barracão está lotada das várias tipos de pinceis e tintas. Sim, ela esteve ali. Em outra vida, quando as situações eram mais fáceis.

Renato a observa em silêncio, ainda encostado à porta dos fundos. Quando Anna se aproxima de seus novos quadros, ele prende a respiração. Neles estão a prova de que o tempo havia passado e que nada era como antes. A leveza e alegria de seus traços foram substituídas por um toque mais sombrio e melancólico.

Um quadro em particular chamou mais sua atenção do que os demais. A tela já estava finalizada, mas permanecia no tripé. O que significava que era especial para ele. Anna fica intrigada com a imagem a sua frente que retratava duas garotas idênticas com seus cabelos negros soltos ao vento sob a lua cheia a beira de um precipício. Uma delas, trajando um vestido leve violeta, observava a outra totalmente vestida de negro caindo no abismo.

Não demora para Anna se reconhecer na pintura. As duas faces que mostrou a ele estavam bem representadas. Ainda olhando para a tela, sente a respiração entrecortada dele em sua nuca.

- Eu realmente cai num abismo, não? - pergunta ainda de costas para ele.

- Só a parte de você que se perdeu - Renato se aproxima ainda mais. O simples ato de respirar faz com que os corpos deles se toquem, espalhando uma corrente de eletricidade por ambos - Se lembra da primeira vez que te trouxe aqui?

- Nunca esqueci - disse se virando de forma que pudesse olhá-lo de frente - Parece a que foi há mais tempo. Nós mudamos tanto.

- Tem algo que não mudou - ele fala calmamente antes de selar seus lábios nos dela. Ela passa os braços em torno do pescoço dele que aprofunda o beijo. É uma sensação boa poder sentir outra vez aquilo que só ela lhe provocava. Quando terminou, ele ainda com o braço em volta da cintura dela sussurrou - Desculpa.

- Eu que te peço desculpas - desnecessárias. Nenhum dos dois se arrependia. Ficam um tempo parados ali, apenas se olhando, até que ele se afasta.

- Eu... eu vou... andar - Renato está completamente desconcertado. Ele deveria ignorá-la, mas simplesmente não conseguia.

- Espera - Anna se aproxima dele devagar até os lábios estarem se roçando - Eu queria isso.

- Mesmo? - ele pergunta se acreditar, a cabeça cheia de dúvidas.

- Mais do que tudo - ela mal termina de dizer e no segundo seguinte suas bocas estão unidas em beijo que misturava raiva e paixão.

Quando param para tomar ar, percebem nos olhos um do outro que a chama de desejo não está mais contida. No momento, ela queima na pele que implora pra ser tocada. Não há como fugir. É nessa hora que as máscaras caem e eles são somente eles. Dois corpos humanos sedentos pelo calor que emana do outro.

Como da primeira vez, os instrumentos encima da bancada vão parar no chão. O prazer de explorar o corpo amado necessita de espaço. Roupas desaparecem em segundos quando bate a necessidade de respirar o outro. As marcas da paixão vão sendo deixadas no corpo alheio em forma de beijos, mordidas e arranhões. Respirações entrecortadas e gemidos completam a trilha sonora.

O ar se enche da fragrância que surge da mistura do amor com tinta fresca. O mundo não mais existe.

Lose ControlOnde as histórias ganham vida. Descobre agora