Eu tinha certeza que podia escutar se uma agulha caísse no chão pelo silêncio assustador que preencheu o quarto.

- Não é a primeira vez que eu conto sobre o meu passad...

- Por que você se importa? - Ele perguntou me interrompendo e eu ergui as sobrancelhas surpresa.

- O quê? - Indaguei com um sorriso leve e chocado.

- Querida, se eu vou te contar sobre as minhas cicatrizes mais profundas, eu mereço pelo menos saber por que você se importa. - Ele justificou se aproximando de mim.

Observei ele ficar por completo na minha frente, também ajoelhado de um jeito confortável na cama, apesar do seu corpo curvado e quase nu, se não fosse pela calça de pijama que ele estava usando.

- Por que eu não me importaria? - Questionei acompanhando os movimentos do Theo.

Ele me observou por um tempo e eu mantive o contato visual dele firmemente, até que ele abaixou o olhar.

- Eu não estou acostumado a me sentir indefeso. - Ele admitiu. - Tirando com o meu... com ele. Não é exatamente o tipo de sentimento que alguém deveria sentir quando pensa em uma figura paterna. Eu não consigo lembrar de uma vez que eu senti algo por ele além medo e pavor, e acredite em mim, eu tentei muitas vezes sentir algo bom perto dele, mas é difícil sentir isso quando você é frequentemente desprezado por alguém que você só quer ouvir um genuíno "Eu estou tão orgulhoso de você".

O Theo encarou uma das suas cicatrizes mais longas. Ela estava na cintura e descia até onde eu não conseguia ver, dentro da sua calça.

- Isso tudo não é recente. - Ele continuou. - Eu lembro de ter 11 anos e estar aterrorizado de voltar pra casa. Todos os dias eu fazia os caminhos mais longos e me perdia propositalmente pela cidade, mas ele sempre me achava ou mandava alguém me encontrar. Eu era tão ingênuo por achar que um dia, ele simplesmente pararia. E eu lembro de um dia, que eu estava voltando pra casa com ele, e ele parecia feliz, ele parecia ter mudado, mas assim que chegamos em casa, nós tivemos uma briga... As brigas. Tudo começa nas brigas.

A briga...

- Eu nunca achei que ele chegaria tão longe ao ponto de realmente deixar uma marca permanente. Antes eram apenas tapas, o cinto e raramente socos... mas teve um dia que ele pegou uma faca. Eu achei que morreria naquela noite. - Ele sussurrou a última parte com a voz falhando. - Eu só tinha 12 anos, não era suposto eu estar me preocupando em como implorar pela minha vida.

Senti um arrepio passar pelo meu corpo e eu fechei os olhos. Levantei o rosto para encarar o Theo e encontrei algumas lágrimas se formando na frente do castanho dos olhos dele.

- Ele só piorou com o passar dos anos e quando ele já não tinha mais nada pra deformar no meu corpo com lâminas, ele passou a queimar. Quando você acaba se acostumando com a dor, é difícil encontrar algo que consiga te machucar de verdade. Sentir café fervendo descer pelo seu corpo imobilizado, era... aterrorizante. Estar com ele sozinho é aterrorizante.

O cheiro de café que eu admiti gostar no Theo não passava de...

Eu cerrei a minha mandíbula, desviando o olhar pra baixo e fechando os olhos com força.

- Você provavelmente me consideraria um idiota por ter perdido a esperança há muito tempo. As pessoas dizem que eu devo apenas acreditar que tudo acontece por um motivo e que no final tudo vai fazer sentido, mas eu sinto que isso tudo não vai ter final. Eu não quero ver o final... Que tipo de motivo seria esse? Me ensinar alguma coisa? Como eu vou aprender algo temendo pela minha vida? Não tinha um outro jeito melhor de eu aprender a lição? Eu juro que eu me esforçaria o suficiente pra aprender a lição... Eu daria tudo de mim pra aprender a lição de outro jeito. Uma criança não aprende algo temendo pela sua vida a cada segundo que está perto de alguém que era suposto proteger ela.

Lágrimas rolavam pelo rosto do Theo e eu encarava o mesmo sem saber exatamente o que fazer.

- Eu deixei de acreditar na frase "eu te amo" por causa dele. - O Theo confessou e eu limpei a lágrima que caiu do meu olho com rapidez. - Ele diz que me ama, mas ele me faz sentir medo. Amor não deveria ter sabor de medo ou terror.

Eu puxei um dos dedos da mão direita do Theo e segurei o mesmo.

- É por isso que eu preciso da bolsa. - Ele me encarou. - Eu tenho medo que um dia, o simples fato de eu implorar pela minha vida não será o suficiente.

Eu assenti apertando o dedo do Theo na minha mão e com o seu dedão, ele fez carinho no meu pulso. As lágrimas ainda desciam pelo rosto do Theo e eu seguia todas por todo o caminho da sua bochecha.

Eu queria ver ele chorar, mas não assim...

Eu queria ver ele chorar porque eu causei dor nele, mas agora, eu queria que o simples fato de eu tocar na pele dele, pudesse arrancar toda a dor existente nele.

- Você me perdoa por ter pegado o seu trabalho? - Ele soltou do nada, me fazendo perceber que eu ainda estava o encarando.

Franzi as sobrancelhas, surpresa e confusa.

- Eu imploro o seu perdão... - Ele sussurrou pra mim deixando uma última lágrima rolar pela sua maçã do rosto.

- Não implore. - Falei franzindo a testa ainda mais. - O meu perdão não vale assim tanto. - Sorri fraco.

- Pra mim vale. Vale mais que tudo. - Ele admitiu e eu ergui as sobrancelhas levemente surpresa.

- Eu sempre vou perdoar você. - Sorri. - Agradeça à minha mãe por me ensinar a perdoar... - Brinquei depois de um tempo em silêncio.

O Theo sorriu brevemente e eu abaixei o olhar.

- É por isso que eu preciso da bolsa de estudos. - Contei. - A minha mãe. Ela ficaria tão orgulhosa se eu ganhasse a bolsa e talvez eu não me tornasse o fardo que todos falam que eu sou pra ela. Talvez se os meus avôs descobrirem que eu ganhei uma bolsa, eles me perdoariam e gostariam de me conhecer, passando a ver que eu não quis destruir a vida da minha mãe.

O Theo segurou o meu queixo com a sua mão livre e levantou o mesmo com o seu dedo indicador, apenas pra me fazer encarar os seus olhos com atenção.

O castanho dos seus olhos parecia brilhar ao me encarar e o Theo me ofereceu um pequeno sorriso de canto, fazendo a sua covinha aparecer.

- Nós estamos em uma grande e bela bagunça, não? - Disse com as sobrancelhas juntas e eu assenti.

continua...

O IntercâmbioWhere stories live. Discover now