Capítulo 7

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Capítulo 7

Os murmúrios vindos de fora entram pelas frestas junto com o odor forte, e Brunno tapa os ouvidos, não querendo ouvi-los. Os olhos são fechados e ele se força a não pensar nisso. Não quer pensar em Henrique, nem em Jorge, nem em Duende, que está há algumas salas de distância, aguardando o inevitável.

Não quer também pensar em sua família, separada abruptamente dele.

Pobre Duende, ardendo em febre enquanto está trancado numa sala, sabendo do que lhe acontecerá enquanto Serena lhe faz companhia durante todo o tempo. Ela prometeu que o faria, que estaria ao seu lado e que acabaria com tudo quando chegasse a hora. Agora não falta muito para que Duende sucumba, e Brunno não suporta imaginar que ele está transformando-se numa dessas coisas que tanto o amedrontou.

Brunno está sentado em sua própria cama, observando o lado oposto do quarto que dividia com Henrique. A cama ainda por fazer, a única camisa sobressalente esticada na janela para secar, algumas revistas velhas que ele arrancava as folhas para fazer os origamis, que agora balançam com o vento, presos num barbante ao lado da janela larga. Brunno pega um tsuru, dobradura de uma ave japonesa que, diz a lenda, pode viver mil anos, dando sorte a quem a possuir. Ele não acredita na crença, mas no que acreditar agora? Não sabe, mas joga o pássaro para fora.

— Voa, pequena ave. Faça o que eu não posso fazer e encontre minha família — diz, desolado, meditando em como o número se reduziu rapidamente, diminuindo o grupo agora em sete, seis, se já for para riscar da lista o pobre Duende.

Pode não ter ficado explícito, mas agora Ryder está no comando. Era o que todos temiam, é o que ele temia desde que entrou ali e seus medos estão se tornando realidade. Ryder está no comando.

— Brunno, vá fazer companhia a Tomaz na sala de controle! — Veio a primeira ordem oficial de Ryder. — Não quero ninguém à toa daqui para frente!

— Tomaz é capaz de olhar as câmeras de segurança sozinho. — Brunno dá de ombros, sem encará-lo.

— Então vá para o posto de vigia! Já perdemos tempo demais desde que chegamos! Perdemos homens hoje, três membros a menos

— Duende não está morto ainda — Brunno sibila.

— Como você disse, ainda. Duende não está morto ainda e por causa disso não podemos contar com Serena, que insiste em ficar trancada com ele até o fim. Doutor Samuel é um velho imprestável, e a magricela da Sacha parece um gato sarnento assustado, então quero que você levante essa bunda magra daí e vá para a torre de vigia. Agora!

Não é hora de discutir. As coisas estão muito tensas e nada foi resolvido ainda. Então até que Serena termine o serviço com Duende, é melhor ele não deixar a situação mais tensa do que já está. Depois, verão o que fazer.

(***)

— Vim me despedir — Brunno diz, após bater de leve na porta e entrar no quarto mal iluminado em que Duende espera pelo fim.

A maca transformada em cama está abaixo da grande janela, que fica de frente para as dezenas de árvores na área preservada do Cetrap. Pássaros voejam, indiferentes ao que está acontecendo abaixo de seus voos despreocupados, enquanto Duende sua em bicas. Ele olha com um sorriso quase hipnotizado a paisagem única que restou intacta naquele lugar.

— Eu estou em paz — ele murmura quase inaudível, olhando através do vidro as árvores balançando com o vento. A chuva ainda cai, mas levemente. — Sei que estão preocupados, mas não deveriam. — Agora ele olha para Brunno, que se aproxima suave, atravessando o espaço com cuidado para não perturbar o amigo. — Eu sei para aonde estou indo. — Sorri. — Antes, não sabia para aonde ir, estava perdido nesse mundo, que se transformou numa terrível abominação. — Sua voz está mais fraca, seus olhos, vermelhos. — Eu tinha medo, mas agora... Agora eu sinto apenas paz.

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