Capítulo 1 - Succumbere

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O celular vibrou no criado mudo trazendo a consciência para Lilin, seus olhos negros e sedutores se abriram lentamente como se não estivessem prontos para desvendar a realidade. Ela arrastou seu corpo nu por baixo do edredon se lançando para fora da cama, deslizou os pés em um tapete felpudo que lhe deu uma sensação de prazer. Se inclinou e com a ponta do indicador recusou a chamada de seu parceiro de trabalho. Lilin caminhou por um longo corredor branco enfeitado com quadros e vasos de flores de plástico, como uma forma artística da vida vazia que levava. Agarrou uma caneca de porcelana, entornou o café recém passado na máquina automática, apoiou os glúteos na base da pia cruzando a perna direita sobre a esquerda, cruzou o braço direito sobre o peito escondendo a mão na axila e bebeu o líquido quente em silêncio. Seus olhos curiosos escanearam a cozinha, como se tentasse conhecer sua dona de forma íntima. Café instantâneo, poucas frutas, cereais, comida congelada, típico de pessoas que não tem tempo de cuidar da alimentação. Uma workaholic talvez? Lilin voltou para o quarto e encarou o corpo sem vida de sua parceira sexual dessa noite. Uma mulher linda de cabelos pretos, olhos azuis, lábios carnudos, pele branca e tatuada, corpo magro e estatura alta. Certamente não merecia a morte, mas o prazer que sentiu antes de sucumbir trazia uma sensação reconfortante para Lilin. 

-Pelo menos você morreu feliz - disse Lilin ao cadáver. 

Lilin limpou a cena do crime, vestiu suas roupas, apanhou o celular e antes de sair lançou um olhar entristecido para sua vítima. 

-Você foi a melhor transa que eu tive na vida, pena que foi sua última. 

Suas palavras morreram no ar enquanto ela se afastava, desceu as escadas saltando alguns degraus, apanhou alguns quadros que estavam no chão e apoiaram sobre a estante, caminhou até a porta e deu uma última olhada na sala antes de deixar suas lembranças se esconderem por entre as grades da realidade. Lançou algumas roupas no banco traseiro de seu carro, um volvo xc60 da cor preta, saltou para o banco do motorista, apertou os dedos no volante sentindo seu coração comprimir. Fechou os olhos e respirou fundo. Depois de tantos anos ela ainda sente o pesar de tirar uma vida, mas tenta se convencer de que vale a pena, afinal, se não o fizer perderá sua própria vida. Lilin sentiu o peso de ser um Súcubo muito cedo, aos quinze anos assistiu a vida se esvair dos olhos de uma desconhecida depois de uma noite de bebedeira. Se sentiu culpada por não ter autocontrole, teve certeza que a insanidade emergiu de sua alma tornando suas ações repulsivas, se condenou e jurou nunca mais tocar em outra pessoa. Mas conforme os dias se arrastaram, sua saúde começou a definhar, seu corpo ficou pesado, seus olhos falharam, suas veias saltaram, seus cabelos caíram, suas unhas quebraram, sua pele apodreceu formando úlcera e seus ossos dissolveram. A morte deitou-se a seu lado e assistiu seu corpo ruir pouco a pouco. Em meio ao fim iminente, Lilin sentia que merecia todo sofrimento, pela alma da garota morta e apenas aceitou. Sua mãe entrou no seu quarto em um domingo de manhã, sentou nos pés da cama com um álbum velho, arrancou algumas fotos em preto e branco e lançou sobre o corpo da filha. 

-Sou eu em todas as fotos - disse a mãe. 

-Essas fotos são muito antigas, como isso é possível? - Lilin perguntou com dificuldade. 

- Somos uma espécie de demônio. 

-Como assim? - Lilin perguntou com dificuldade. 

-Somos Sucubus, nos alimentamos da vitalidade humana através do sexo. 

-O que vai acontecer se eu não quiser machucar outra pessoa? 

-Você morre - disse a mãe com tom firme. 

Lilin entrou em um conflito interno e moral que perdurou por dias, sua mente resistiu até o momento em que a consciência se perdeu em seu corpo esmiuçado. De repente uma mulher entrou no quarto segurando uma foice na mão direita, seu rosto parcialmente coberto com uma touca evidenciava lábios vermelhos e carnudos. Ela estendeu a mão revelando dedos de ossos, apontou o indicador para o rosto de Lilin. 

Succumbere (Romance Lésbico) Where stories live. Discover now