Essência

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Uma mulher mais velha entrou no Café Bernardo, e Tobias logo ajeitou o avental e foi lhe entregar o menu. Fios brancos permeavam os castanhos em um coque no alto de sua cabeça e ela se vestia bem, uma calça social solta, uma camisa de tecido brilhante. Pediu um café normal, sem açúcar, e esperou. Tobias estava sozinho naquele dia, nem mesmo os gatos estavam no gatário: Bernardo organizava os últimos detalhes da viagem que faria com Dennis no mês seguinte, visto, passaportes, passagens e hotel, e também confirmava com seus sogros que eles poderiam ficar com Clara durante aquelas duas semanas.

Tobias passou o café pelo coador com cuidado, em movimentos circulares, como Bernardo sempre insistia. Colocou a bebida quente em uma xícara bonita, um pequeno bombom no pires e levou o pedido à mulher que esperava à mesa. Ela agradeceu e o rapaz estava prestes a se afastar quando ela levantou o olhar.

— Você é o Bernardo?

— Não, me desculpe, sou Tobias. — Ele fez menção de apontar para o crachá em seu peito, mas acho que poderia soar mal-educado — Trabalho aqui faz pouco tempo, Bernardo é meu chefe. Ele não está hoje, mas posso deixar um recado se for algo importante.

— Uhm... — Ela pensou por alguns instantes, suspirou — Você acha que ele vai estar aqui amanhã?

— Creio que sim, senhora.

— Mas talvez você possa me ajudar um pouquinho hoje... — Ela pegou a bolsa e tirou uma foto antiga, de uma garota adolescente, cabelo castanho comprido, óculos, moletom — É uma foto velha, eu não consegui uma mais recente. O nome dela é Gabriela, minha irmã falou que ela costumava vir aqui, que era amiga de Bernardo, talvez você a conheça?

Tobias aceitou a foto, confuso, e olhou bem. A garota era muito parecida com a Gabriela que ele conhecia, amiga de Bernardo, aquela que lhe mostrou o segredo da máquina de café que ficava no fundo da cozinha e uma janela, no final do corredor, antes da escada, onde poderia fumar e o cheiro não entrava no café. Ele não fumava, mas agradeceu pela dica mesmo assim. Ela nunca falara sobre alguém mais velho, na verdade as únicas pessoas de quem Gabriela falava eram Bernardo e Tatiana, raras vezes mencionava Orfeu.

— Eu conheço Gabriela, sim, mas...

— Eu sou a tia dela. Vanessa.

— Nós não somos muito próximos, mas eu posso avisar que você esteve aqui.

— Se puder entregar uma carta para ela... — Vanessa lhe entregou um envelope em branco, com nada mais que "Gabriela" escrito na frente — Eu não sei se ela gostaria de falar comigo, mas eu queria pelo menos tentar.

— Posso pedir para Bernardo entregar para ela.

— Obrigada. — Vanessa entregou o valor do café para Tobias e deixou que o rapaz se afastasse.

Ele observou enquanto a mulher bebia devagar, o olhar perdido na avenida. Colocou a carta no armário de Bernardo, em cima de seu avental, e mandou-lhe uma mensagem no final do expediente. Arrumou suas próprias coisas, certificou-se de que todas as portas e janelas estavam trancadas, então saiu, baixou as grades de metal e caminhou para o metrô.

"Oi, chefe, uma tal de Vanessa deixou uma carta aqui pra aquela sua amiga, a Gabriela. Deixei nas suas coisas, viu?" Bernardo leu a mensagem, confuso. Não fazia ideia de quem era Vanessa. "Talvez seja alguma ex-namorada?", imaginou. Pediu que Dennis buscasse a carta quando saísse do trabalho e decidiu não avisar Gabriela ainda, era bem possível que ela ficasse estressada por nada e, mesmo que fosse algo importante, era uma carta. Poderia esperar até amanhã, quando haviam combinado de se encontrar. Colocou o celular de lado e voltou a verificar se estava tudo certo para a viagem.

EssênciaWhere stories live. Discover now