DOR

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Não seria estranho dizer que naquela pequena moradia escondida de tudo e todos, duas pessoas começaram a sentir profundamente conexões que os atraíam constantemente. Dos toques singelos e impensados, até os olhares que se demoravam um no outro.

Sentimentos poderiam nascer rapidamente, entretanto, ambos não esperavam que acontecesse tão cedo. 

Xie Lian havia se deixado levar anteriormente no rio, talvez movido pelo susto ou o que quer que fosse, nem ele mesmo se entendia. Contudo, ele não tentava negar a si mesmo que não se arrependia sobre aquele beijo. Por mais que seu objetivo ainda fosse manter uma certa distância emocional do outro, isso se tornou impossível. San Lang era muito semelhante a aquela pessoa em seu passado, tanto em aparência quanto a personalidade cortez que sempre o colocava no topo de tudo, quase como um deus a ser adorado, não poupando boas palavras sobre ele. 

Sendo assim não possuía forças para empurrá-lo como nos primeiros dias, não que o outro facilitasse também. 

Hoje uma pequena memória muito antiga atingiu Xie Lian enquanto caminhava sozinho entre os bordos. No passado, ele teve que fugir por muito tempo, passando por muitos lugares até que seus pés se tornassem exaustos e finalmente se estabelecesse. Alguns eram muito bonitos, como florestas e campos férteis que o fez realmente querer ficar, até os que foram levados pela devastação e morte, sempre houve mortes em sua vida.

Mas então ele encontrou a borda onde tudo era branco e azul, a tranquilidade que tanto buscou desde sua queda e perda parecia estar toda ali, uma casa poderia ser construída e até o fim dos tempos ele poderia viver livremente sendo tomado pelo sol. 

Contudo, palavras ainda ressoavam em sua cabeça, uma promessa que foi feita por si para alguém que já não estava mais ao seu lado. Por mais bonito que tudo ali fosse, tal lugar apenas faria com que a dor nunca pudesse ser esquecida. No fim, paz era algo que Xie Lian acreditava não merecer, e apenas esvaiu-se pelo mundo novamente. 


Em meio a um total escuro, ele avistou muito ao longe, no fim da trilha, a suave luz de uma lanterna que brilhava sobre algumas árvores. Agilizando seus passos ele encontrou Hua Cheng brincando com um pequeno gatinho branco que se alisava contra a sua mão, ronronando. 

– Vejo que conheceu minha Ruoye. – proferiu, parando em frente ao outro que ergueu o olhar e sorriu. 

– Foi ela quem veio até mim, é linda. – respondeu. – Vim para procurá-lo, estou sendo inconveniente? 

– Claro que não. Eu estava pensando em você agora mesmo. 

– Pensando em mim? – ergueu uma sobrancelha junto do sorriso provocador que cresceu novamente. Xie Lian sentiu seu rosto esquentar, dando-se conta de suas palavras. 

– Nã-não sobre você exatamente, mas quase... – observou o outro deixar um último carinho em Ruoye e se levantar. – Na verdade, você gostaria de ir a um lugar comigo? 

– Irei onde quiser me levar.  

Pegando San Lang pela mão - que entrelaçou seus dedos - eles caminharam até um local sem árvores e aberto. Ali em pé, o mais novo foi deixado por um instante com a luz o banhando, Xie Lian afastou-se cerca de dez passos, sendo o olhar trocado a única coisa que permaneciam juntas. 

Xie Lian fechou seus olhos. Sobre a claridade noturna, os fios de cabelo castanhos que balançavam de repente clarearam ainda mais, desde a raiz, correndo pelos longos fios até que chegasse às pontas, completamente branco, como a lua eterna que admirava todas as noites. Um dourado vivo conflagrou em suas íris novamente abertas. Nos campos de batalha em que esteve, tal brilho feroz já havia sido muitas vezes a última coisa que seus inimigos viram.

MIZPÁ  Where stories live. Discover now