🐟 CAPÍTULO 6 - O DONO DO MANGUE 🐟

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Nomes são signos do Caos. Todo animal ou planta do manguezal que recebe um Nome torna-se arquétipo de imprevisibilidade. Arquétipos caóticos não são bons, nem maus, tampouco elegem seus preferidos. Tudo é acaso, e acaso é Mangue.

Sábio Camarão

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14 de junho de 2009

A escuridão cobria o manguezal do bairro de Afogados naquela madrugada. Havia poucas estrelas no céu; a lua não tinha aparecido.

Voando sobre as águas, a majestosa Alba havia salvado Talilo, e estava levando-o para bem longe da ponte Gilberto Freyre. O rapaz permaneceu desacordado durante o voo.

Chegaram ao refúgio secreto da grande ave, no extremo Oeste do manguezal, onde Alba construíra seu grande ninho, que abrigava sete ovos gigantes em meio às raízes de mangue-vermelho.

Antes de pousar, Alba colocou Talilo sobre um dos ovos. A casca dura era desconfortável, então o rapaz acordou. Levantou a cabeça de uma vez. Tentou enxergar o lugar onde estava, mas a escuridão era quase absoluta. Sua respiração estava descontrolada, mal conseguia sentir o ar preenchendo seus pulmões, e ficou ainda mais nervoso quando houve luz.

Alba pousou sobre a lama. As penas coloridas de sua crista dividiram-se ao meio, revelando o terceiro olho antes escondido.

Um intenso feixe de luz colorida iluminou o rosto molhado de Talilo. Por um instante, ficou hipnotizado com o misticismo das cores que irradiavam do olho da ave.

Ao testemunharem o batismo do humano, garças e capivaras foram dominadas pela euforia, fazendo algazarra no manguezal.

Os dedos enrijecidos de Talilo racharam a superfície do ovo gigante. Até mesmo os caranguejos que estavam nas tocas mais profundas puderam ouvir o barulho estridente da casca se quebrando.

Talilo afundou no plasma dentro do ovo. Estava longe da hierarquia do Tempo, protegido das injustiças do Destino. Tornou-se criança, adulto e idoso simultaneamente. Não conseguia compreender a irrealidade colorida ao seu redor. Desconhecia até mesmo algumas daquelas cores. Não tinha certeza se ainda estava no manguezal. Porém, não estava aflito. A bagunça quântica lhe trouxe serenidade. Era como se pudesse sentir a energia pulsante do manguezal em suas veias, e o som das batidas de seu coração parecia o ritmo do Maracatu.

— Homens e peixes são bichos muito interessantes. Principalmente quando são dançantes. — A voz etérea ecoou na mente de Talilo, que arregalou os olhos e contraiu o abdômen.

— Multicoloridos. Sentem. Desejam...

— Quem tá falando?! — Talilo gritou. Não conseguia distinguir se a voz era aguda ou grave.

— Shiiiiu! Silêncio, rapaz bonito. Aqui você não fala, apenas ouve o mito.

Talilo tentou repetir a pergunta, mas havia perdido o dom da palavra. Ainda imerso no plasma colorido do ovo, teve seu corpo dominado por impulsos involuntários. Ele dançava contra sua vontade, ao som do ritmo do Maracatu. Seus movimentos transpareciam alegria, mas o rosto não conseguia esconder o medo.

— Raízes, raízes, raízes! Cérebros! Cores e Caos! — A voz etérea tornava-se mais imponente, enquanto raízes coloridas surgiam no plasma ao redor de Talilo, que tentava encontrar a origem daquela confusão.

Pouco a pouco, as raízes coloridas uniram-se para formar uma silhueta magricela. Tinha dois braços e duas pernas. A maior parte do corpo era a cabeça, coberta por uma infinidade de folhas coloridas. Mordia o talo de um cravo branco e usava óculos escuros.

AFOGADORUM - O Dono do MangueOnde as histórias ganham vida. Descobre agora