⚜03⚜ A QUE DEVO A HONRA (LAYSLA)

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Desde pequena, ouvia algumas histórias de meninas que se casaram com príncipes e viraram lindas princesas. Kairon sempre foi atencioso, gostava de me colocar para dormir contando-as. Porém era complicado, toda família dormia no mesmo ambiente. E meu outro irmão estava sempre reclamando das nossas risadas, pois acordaria cedo no dia seguinte e precisava descansar. Um verdadeiro chato! Sentia raiva de Alípio todos os dias. Xingávamos ele em secreto. O problema era que isso intensificava ainda mais nossos ruídos e Kairon acabava em uma briga por querer me alegrar.

Depois que meu irmão do meio se foi, minha mãe passou a exercer essa função. Antigamente ela tentava, mas eu escolhia a dramatização que só Kairon sabia fazer. Contudo, não conseguiria dormir após sua morte, aceitei ouvir a versão doce e sem jeito da mamãe contando algumas fábulas.

Cresci, sonhando em um dia encontrar uma forma de me tornar parte da nobreza. Não era um sonho incomum. Na verdade, todas as camponesas sonhavam juntas. Haveria nobres suficientes para nós?

Muitas me desprezavam. Ouvia de suas mães um elogio à minha beleza. Isso era o que causava o afastamento unânime. Entretanto não gostava de como se dava o apreço.

— Ainda bem que é bonita... Se dependesse de saber cozinhar, morreria solteirona — falava fulana.

— Que bom que sua filha é bela, Telma. Vai chamar a atenção de algum senhor. Leve-a às terras vizinhas. Ouvi dizer que um marquês ficou viúvo... — acrescentava beltrana.

Quando minha mãe conversava a respeito dos comentários que eu ouvira, fingia não me importar. Mas meu coração se abalava. De fato, não sabia fazer nada muito certo. Era uma ajudante esforçada, estava a todo momento fazendo de tudo para ajudar em casa. Entretanto, era cada massa de pão seca e borrachuda... Perdia o material, trazendo prejuízo à família. E para piorar, comecei a me sentir um estorvo depois da descoberta, não era filha legítima. Alípio foi quem me disse alguns dias antes de se casar com Amice, a antiga namorada de Kairon. Que Deus o guarde! Ele me odiava, podia sentir. Odiava principalmente Kairon, que mesmo estando no céu ou, segundo ele, de braços dados com o demônio, era sempre depreciado.

Passamos a ser três naquela casa pobre, com uma estrutura deplorável. Quase todos os moradores já haviam conseguido ir morar na cidade, próximo ao castelo. Sentia falta das festas no campo e histórias de monstros que os mais velhos juravam ter enfrentado. Morria de medo.

Meu pai achava que com menos pessoas para sustentar, a vida seria mais tranquila. Ter uma filha mulher e ainda uma sem nenhuma habilidade definida não era rentável. Seguíamos com dificuldade, porém a cegueira no meu pai nos surpreendeu. Ficamos extremamente abalados.

Sempre fui boa de conversa, pelo menos com os idosos. Percebi que o meu dom era enrolar os vendedores. Dessa forma, iniciei a minha grande carreira como ladra. Um dia, algumas cenouras, outro dia, beterrabas e fomos vivendo nesse esquema até ouvir a notícia de que o Conde Augusto morrera. Nos vimos sem chão, pois ele não tinha herdeiros. Quem assumiria?

Fui para casa, nessa tarde, com a sacola vazia. Os comerciantes fecharam as bancadas mais cedo em reverência a Sua Alteza. Chorei. Chorei, não porque ele merecia e, sim, pela novidade que chegaria. Poderia piorar?

— Mãe, o Conde faleceu. — Sentei-me na cadeira de madeira.

— Pai Amado! — Tapou sua boca, assustada. Aproximou-se, ficando de frente a mim. — Deve haver guerra. Ele não tinha herdeiros. — Fez o sinal da cruz. Mordi o lábio, pensativa.

— Como está meu pai? — indaguei, enrolando uma mecha de cabelo.

— Não está bem, Laysla. É velhice. Não está falando coisa com coisa — suspirou, começando a chorar. Levantei às pressas e a abracei.

MEU CAÇADOR E EU Onde histórias criam vida. Descubra agora