⚜01⚜ POR FAVOR, NÃO CONTA (KAIRON)

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— Calma, Kairon — gargalhava Amice, se afastando de ré, enquanto eu a beijava compulsivamente.

— Não posso esperar muito... Me ajude a soltar o corpete. — Estava excitado. Tentava, sem sucesso, desprender as cordas trançadas da peça marrom.

— Não, Kairon. Hoje é só a parte de baixo. Da última vez você foi embora e eu tive que me arrumar sozinha — avisou a garota de cabelos pretos cacheados, mordendo o lábio. Em seguida, se deitou no chão de madeira do moinho e levantou sua saia verde musgo.

— Me desculpa, mas é porque a Laysla estava chorando. — Franzi a testa, me debruçando sobre ela.

Minha família não tinha muito dinheiro. Na verdade, quase nada, já que boa parte do que conseguíamos através de plantações ia para pagamentos dos senhores, donos das terras.

Amice era enteada de uma amiga da minha mãe, levemente mais velha que eu. Talvez o “levemente” seja um eufemismo, entretanto, isso fica a critério de cada um. Eu preferia achar que 8 anos não era muita diferença, uma vez que parecíamos ter a mesma idade.

Nós estávamos no moinho. Eu deveria usufruir do local para outra coisa, moagem do trigo. Contudo, o imposto que eu paguei para usá-lo só serviu basicamente para me esfregar na mulher com que me encontrava todas as quartas.

Amice queria permanecer virgem para o casamento. Dizia que desse modo poderia encontrar um cavaleiro ou algum outro nobre que se interessasse por ela, porque pobre do jeito que eu era, só servia para diversão. E eu, não sendo nenhum pouco tolo, me aproveitava do afago. Fazíamos de tudo, menos consumar o famoso ato.

Meu pai, meu irmão mais velho, Alípio, e eu trabalhávamos na nossa plantação de trigo enquanto minha mãe e irmã, Laysla, nos afazeres domésticos. Porém no mínimo duas vezes na semana tínhamos que retribuir os favores aos donos da terra. A casa onde morávamos funcionava basicamente como um aluguel. E de novo eu digo: “Éramos bem desprovidos de qualquer riqueza”.

Alípio sempre era o escolhido para executar essa função e outras mais, como viajar com papai para buscar mercadorias. Fiquei conhecido como o esquentadinho, filho de Roberto. Os outros camponeses não gostavam da minha companhia. Diziam que um dia eu me daria mal pelo meu gênio ruim. E esse dia chegou mais cedo do que imaginava.

No dia mencionado sobre a minha desgraça... Quero dizer, poderia ser melhor classificado como a desgraça de outro, visto que quem morreu não fui eu de fato... Mas contando a história na ordem cronológica... A matriarca precisou sair para vender pão na cidade, por isso me deixou encarregado, mais uma vez, de cuidar da pequena órfã.

Laysla foi deixada na porta da nossa casa, ainda recém-nascida. Nunca soube direito o que aconteceu. Horas antes minha mãe chorava, como em toda noite, pela minha irmãzinha que faleceu ao adoecer e na outra, o sorriso grato no rosto dela se fazia presente. Ela encarou a criança como uma missão divina.

— Kairon, já disse que não — resmungou Amice, pois beirava a descumprir o nosso trato.

— Tudo bem. Vamos voltar — disse, me erguendo, sacudindo meus cabelos para ajeitar a franja sobre o meu rosto.

— Não, garoto... só não passa dos limites. — Arqueou a sobrancelha, sedutora. Sorri safado, sem camisa, com a calça aberta.

Quando me juntaria novamente a Amice no chão, olhei de relance pela janela do moinho. A única coisa que eu pedira para Laysla era que ficasse sentada nas escadas do local. Mas eu vi a menina longe, na companhia de um homem estranho.

Uma sensação desconhecida veio rápida e momentânea. Achei que não conseguiria me mexer. Entretanto rosnei e corri como um animal feroz para cima dele. A distância que eu estava daquele infeliz era grande.

Não lembro de ter pegado um machado pelo caminho. Não lembro de ter fechado as calças, pois certamente teria chegado ao fim nu. Contudo, me lembro de seus gritos enquanto o atacava, dos seus olhos arregalados com sentimentos ruins que foram cessados por mim quando interrompi sua vida.

Olhei para mim e me vi ensanguentado, depois para minha irmã parada, respingada pelo sangue de um provável criminoso. Virei-me para trás e Amice me fitava, assustada. Dessa forma, me tornei um assassino. Não me arrependo, faria tudo de novo se preciso fosse para protegê-la.

— Você está bem? — perguntei, ofegante, limpando meu rosto.

— Aham — soluçava Laysla, segurando sua boneca de palha, com a voz abalada. Observei seus cabelos loiros encaracolados, que o maldito homem tocava. Apertei os lábios, ainda enfurecido.

Que bom que cheguei a tempo. Joguei o machado longe, andei até minha irmãzinha, me ajoelhei, ficando mais ou menos na mesma altura.

— Me desculpa, Kairon. Eu só queria brincar — falou cheia de culpa, me encarando docemente. Abracei Laysla com um aperto no coração pelo que poderia ter ocorrido.

— Não precisa pedir desculpas... Eu deveria ter cuidado de você. — Meus olhos encharcavam. — Por favor, não conta para o papai e nem para a mamãe.

Ela assentiu, chorosa. Temia que Amice falasse algo. Caminhei até a moça de 26 anos, que já estava fora do moinho, e a confrontei.

— Eu não vou dizer nada... Teoricamente, nem estou aqui — falou trêmula. Senti seu pavor naquele momento. Após falar o que eu precisava ouvir, se foi. Não confiaria nela. E o que eu faria?

Ensaquei os trigos e os grãos moídos. Laysla me acompanhou em todo tempo. Andei até a carroça e os posicionei perto das rodas.

— Eu não queria que visse o que farei, mas depois de ter presenciado o pior... Vamos comigo. — Decidi que era melhor Laysla e eu estarmos juntos em todo processo do que sozinha, correndo um novo risco. Ela concordou com tudo, sempre silenciosa.

Carreguei o corpo sem vida, coloquei-o sobre a carroça e o cobri com as nossas mercadorias.

Já havia escurecido quando chegamos em casa. Demoramos ainda mais, pois depois de desovar o morto no rio, minha irmã e eu nos banhamos por completo, a fim de retirar o líquido rubro que me causava repulsa.
“Está muito fria”, foi o que a menina balbuciou assim que não o avistamos mais, se referindo às águas com que nos lavávamos. Mesmo criança, vi que tinha a sua confiança. Nunca falaria sobre a situação.

Entramos em casa, ensopados e com fome. É estranho ter fome depois de tudo o que passei, porém me encontrava em fase de crescimento... Entretanto permaneci com ela por várias horas.

— Kairon? — chamou-me minha mãe, com a voz triste enquanto eu fechava a porta.

— Amice... — falei baixinho. Suspeitei ter me dedurado. Bufei ofegante ao me virar. Arregalei os olhos, pois não era ela. A coisa estava só piorando.

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