Selenicereus wittii

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A privação do oxigênio só levou alguns segundos, a dose de ira foi mínima e suficiente apenas para cumprir sua missão nas células de todo o seu corpo. O amargo se materializava enquanto a rainha tombava a cabeça para trás respirando mais profundo e se sentindo desorientada, sua mão direita foi parar no braço da mãe natureza apertando fracamente seus dedos.

— Hera? Está tudo bem?

Gaia se levantou colocando as mãos em sua testa, recebendo vários nãos seguidos e embolados.

— Respira, já está passando, estou aqui com você.

Poucos minutos foram necessários para que todo o encantamento da juventude eterna evaporasse. Agora todo o solo que Gaia pisou foi contaminado por seus anseios vingativos, cada maçã daria o efeito oposto para rainha. O dourado casou com a escuridão de suas pupilas.

As rugas finas de expressões marcadas na região dos olhos, os fios de cabelo esbranquiçados abaixo do diadema dourado, sua pele permitindo pequenas manchas aparecerem e as bochechas flácidas contribuíram para que Gaia afetasse o que era mais valoroso para rainha, sua mocidade.

O corpo agora compatível com seus muitos anos de vida ia relaxando aos poucos, voltando sua atenção para deusa a frente que a ninava satisfeita.

— Por um momento achei que iria me matar.

Um riso frouxo foi deixado pela deusa aliviada, se ajoelhando em sua frente e sorrindo em paz liberando um encantamento momentâneo sobre a outra para se sentir jovem por alguns minutos antes dela partir e não perceber as mudanças até ficar sozinha.

— Temos que aprender a perdoar.

Antes que partisse para o Bosque das Bétulas um acordo foi feito, sua amizade em troca da libertação de Leto, afinal, seu remorso já teria sido extravasado em Ártemis, como Gaia argumentou para rainha. Ambas partiram juntas na carruagem celeste, guiadas pelos cavalos-alados em um silêncio preciso, tendo Gaia segurando a carta de sua caçadora em uma mão e a outra entrelaçada aos dedos de Leto, dando-lhe conforto para sua angústia. Não precisou que ninguém lhe contasse, uma deusa mãe sabe quando os mais próximos partem ou quase. Não estavam sozinhas.

Chegando ao bosque, avistaram as ninfas próximas do jardim preferido da deusa, um pouco distante do lago central, mas antes que caminhassem até lá, Gaia ficou de frente para Leto sorrindo confiante.

— A senhora tinha razão, agora eu entendo. A confusão de sua filha veio para que algo melhor e belo brotasse, a perspectiva do amar.

A deusa do anoitecer se sentia orgulhosa e agradecida diante da missão cumprida desta vida da caçadora, sabia que agora seu espírito contemplaria paz e amorosidade, ao lado de Gaia.

— Você a tirou da zona de conforto, trouxe a percepção do quão favorável pode ser ir além do egoísmo e o orgulho.

Leto dizia repousando seu braço ao redor dos ombros da outra caminhando juntas em direção a Apolo e as ninfas Artemísias, que sorriram levemente ao vê-las chegando.

Ártemis sempre foi apaixonada por flores, fazia questão de plantar com as ninfas, contribuindo com a felicidade da mãe terra, antes de conhecê-la. Seus jardins eram impecáveis, as borboletas visitavam todos os dias e dançavam ao redor da caçadora rodopiante.

A mãe natureza se concentrava sentada ao lado do corpo de sua querida deusa, enquanto as outras figuras se afastavam dali, dando privacidade ao momento. Sua cabeça pendia em direção a terra, fazendo brotar ramos esverdeados repletos de folhas, delas uma nova espécie foi criada, Selenicereus wittii, Flor da lua, em sua homenagem.

— Dessa vida para outra, tu será minha dama etérea da noite.

Seus olhos abriram lentamente, voltando a admirá-la enquanto sua mão repousava sobre o peitoral que não emitia sinal de batimentos.

— Te honro minha deusa, guio teu espírito para este hospedeiro vivo, flor que nunca morrerá se assim desejar.

Flor da LuaWhere stories live. Discover now