Deusa da Floresta

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O maior conflito em nossas cabeças acontece quando princípios e crenças começam a ser martelados. Há duas possibilidades iniciais: receber de bom grado as mudanças ou rejeitá-las e sofrer as consequências.


Reunidos em um banquete onde o néctar era o sabor predominante que escorria pelas torradas de maçã verde, biscoitos amanteigados e waffles, Hera em sua persona doce e maternal sorria para seus filhos e seu marido ingênuo antes de se preparar para ter em mãos o pescoço de Leto.

Não ingeriu mais do que duas torradas com vinho e se levantou ansiosa indo até o jardim das Hespérides para completar sua saciedade com maçãs de ouro, fontes da juventude eterna, presenteadas pela mãe natureza, sua amiga de antigas datas. Hera lembrava muito bem daquele rosto delicado e confiante em suas mãos agradecidas pela tamanha bondade que sempre lhe fora transmitida. Não gostava de admitir esses sentimentos, mas em meio a toda frustração e raiva pelo abandono sentia também falta das graças e diálogos que tinham enquanto próximas. Tudo o que restou dessa amizade foram às maçãs plantadas.

Enquanto todos pegavam no sono, passeava com a língua entre os dentes exibindo aos espíritos do palácio seu traje em azul marinho destacando seus ombros largos, acompanhado de detalhes dourados dos pés a cabeça. Não se nega a tamanha beleza de uma rainha do Olimpo com sede de vingança, vibrando fervor em seu olhar.

Já deitada admirando as estrelas pela janela do quarto que lhe foi oferecido, Ártemis sentia seus olhos pesarem em rendição ao cansaço, vagando em inquietações que não a permitiam adormecer de vez. A mãe natureza havia ficado sem graça depois da afirmação feita na cozinha, o jantar aconteceu em um silêncio apressado e partiram para quartos separados.

A convidada refletia sobre suas possíveis brincadeiras fora de hora e internalizava que as palavras ditas colaboraram para um entretenimento e não interesses a parte. Deslizava seus dedos pela parede lisa, intrigada com o fato de Hera ter sido amiga da dona da cabana. Seus pensamentos iam de um lado para outro, podia considerar aquela situação uma isca para pegá-la junto da mãe, mas estava demorando a acontecer.

No instante em que Ártemis sentou aflita imersa nessa ideia, a mãe natureza adentrou seu quarto com uma lamparina em mãos, encostando-se à parede e observando o susto que acabara de dar em uma deusa retraída com a mão no peito.

— Te assustei?

Seu jeito de falar era arrastado, exalava plenitude e isso fez com que Ártemis voltasse a respirar com mais dificuldade.

— Um pouco...

— Bom, sei que logo você partirá, então estava pensando que não deve haver problemas em me conceder companhia esta noite, faz tempo que não interajo com alguém.

— E por que eu faria isto?

Em um suspiro a mãe natureza farejou seu nervosismo, ficando pensativa enquanto mordia seu lábio inferior.

— Vou lhe dar a dignidade de citar o meu nome, Ártemis.

As bochechas em tom rubro foram destacadas pela iluminada lua saudando através da janela, indo de contraste ao cinza brilhoso da sua marca de nascença. A caçadora paralisada, não entendia a rendição proposta, mas a mãe natureza estava curiosa sobre aquela deusa depois de tentar achar um nome para entregar andando em círculos em seu cômodo e perceber que nenhum era mais honroso do que o seu próprio. Não conseguiria mentir para aquela caçadora caprichosa; talvez tenha sido enfeitiçada pela ambrosia.

A dona dos olhos esverdeados se sentou ao chão deixando a lamparina ao seu lado, tirou um frasco de óleo perfumado do seu hobby e o mostrou erguendo a mão.

— Lavanda e limão; vai te ajudar a relaxar e se livrar de pensamentos ruins... Sei que está inquieta agora e duvidando de mim.

Falava colocando-se de joelhos e ficando frente à deusa, aproveitando de sua quietude para passar óleo em seus dedos e os aproximar do rosto da caçadora esperando uma permissão; assim que Ártemis concordou balançando levemente a cabeça os seus indicadores foram direto para as têmporas da mesma massageando de forma circular, fazendo com que seus ombros tensos caíssem e os olhos se fechassem.

— Então, quem você acha que eu sou?

A mãe natureza sabia que Ártemis havia colecionado diversas sugestões em sua cabeça, inclusive a certa, mas queria ouvi-la dizer.

— A deusa da floresta?

Com um riso frouxo que inundou os ouvidos da caçadora, os olhos desta foram abertos novamente admirando a dona dele subir com seus anelares para sua testa os deslizando para os lados em movimentos constantes.

— É um termo apropriado, sou a deusa da terra, mãe natureza, como preferir...

Com as mãos apoiadas na cama, ergueu o seu tronco suspirando levemente, deixando sua boca próxima a orelha de Ártemis, que já estava em pânico com a aproximação repentina.

— Mas o meu nome é... Gaia.

Sussurrou misteriosa provocando um arrepio completo na caçadora, que estava imersa na mistura dos cheiros naturais, mas antes que Ártemis tentasse falar algo, o que seria difícil, algumas pisadas bruscas foram ouvidas deixando as duas assustadas.


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• Em ilustração: Gaia 

Flor da LuaTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang