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Any Gabrielly

Com o meu bilhete em mãos procurei o meu assento.

9d

Na janela como eu gosto.

Coloquei a minha bagagem no compartimento apropriado e logo me sentei.

Tenho algo com aviões, uma desconfiança... que sempre me faz observar cada detalhe da aeronave, prestar atenção nas instruções de segurança, me atentar ao voo inteiro... cada turbulência ou ruído. Não é como se eu tivesse medo, mas me intriga uma lataria voar com tanta gente dentro.

E dessa vez não foi diferente, olhei tudo, sempre fui observadora, nada passava despercebido... li os detalhes do cartão de segurança, afivelei o meu cinto, tudo estava como sempre.

Meu lugar era na fileira vizinha a dos meus pais, exatamente na asa direita do avião, minha irmã mais nova estava atrás de mim, já encostada em sua janela. Ambas tínhamos a poltrona ao lado vazia.

Era uma viagem de família, todos os anos fazíamos uma ao menos. O nosso destino era Miami, eu mal podia esperar para ver a praia novamente, na cidade em que vivíamos, o mais próximo de mar que tínhamos era um lago de água doce, então sentíamos falta.

Utah está no oeste do país então seria um longo voo até a Flórida.

Eu sentia algo estranho... uma sensação ruim que se provou ser bem pertinente quando o meu mundo começou a ruir.

E não é que a minha desconfiança era pertinente? O avião em que embarcamos era meio velho, o que aflorou toda a minha questão com aeronaves. Eu havia checado bem mais de uma vez o cartão de segurança com os procedimentos... até parecia que eu preveria o que aconteceria nas horas seguintes.

Eu tinha recém-completado meus dezoito anos quando perdi os meus pais naquela lataria e, desde então, nunca mais entrei em uma.

A turbina esquerda estava defeituosa, o piloto fez tudo que pôde, mas naquele dia, metade dos passageiros se foi para sempre. Meus pais estavam justamente no epicentro do problema e, por isso, foram os mais afetados. Sequer tivemos corpos para enterrar.

Sem adeus... sem nada que pudesse nos fazer lembrar deles como as alianças... perdemos a grande maioria de nossos pertences com a queda.

O pior dia da minha vida. 

Sobramos eu e Nour no mundo, não tínhamos outra família, ela tinha apenas quinze anos quando tudo aconteceu e, desde então, dediquei a minha vida a protegê-la. Era a minha motivação para viver, o que me fazia levantar todos os dias, eu estava destroçada, não via bem um futuro para mim, mas ela tinha uma vida inteira pela frente, metas, sonhos... e eu tinha que apoiá-la... não é porque eu estava sem perspectiva de vida que tinha que ser assim com ela também.

O juiz me cedeu a guarda dela e, num piscar de olhos, eu virei mãe da minha própria irmã, os meus desejos, as coisas que almejava conquistar, faculdade... foram esquecidos, Nour se tornou a minha prioridade, concentrei todas as minhas forças nisso. Eu faria de tudo por ela.

A primeira coisa que fizemos foi mudar para a Califórnia, de carro, é claro... A dor de ver papai e mamãe em cada canto da nossa antiga casa, as pessoas olhando com dó, vizinhas nos enviando tortas, biscoitos... tudo era um constante lembrete de que havíamos nos tornado órfãs... que não tínhamos mais ninguém.

Mas o que eu descobri meses depois foi que eu jamais estaria sozinha, minha princesinha Eva veio para me trazer alegria, me fez voltar a amar a vida. Eu não sabia que cabia esse amor imenso dentro de mim... Quando a vi pela primeira vez, tão minúscula, eu senti o amor de mãe se acender em mim por completo.

12 LETTERS | BEAUANY STORYWhere stories live. Discover now