🩸 Capítulo 6

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Elisa

Olho no relógio do computador e me assusto que já está na hora do almoço e eu sequer comi algo no café da manhã. Desde a comemoração do meu aniversário, anteontem, perdi o apetite e estou tendo que me esforçar para ingerir alimentos saudáveis antes que a tristeza me afunde em açúcar, como aconteceu no começo da semana.

Chega a ser engraçada essa dualidade. Eu fico sem fome por dias, e depois a ânsia por comida vem de forma desenfreada.

Apesar da tentativa de Amber e Emma, a noite de celebração foi um fiasco. Depois que recordei do aborto, foi uma dificuldade imensa voltar para a mesa. Cheguei em casa antes da uma da manhã, com a desculpa da universidade no dia seguinte, no entanto, a verdade é que eu não aguentava mais fingir que estava bem. O empenho por sorrir, quando quero chorar, acaba comigo. Precisei tomar um remédio para conseguir dormir sem os fantasmas do passado virem me atormentar de novo.

Faço um coque frouxo no cabelo e decido ficar só mais um pouquinho antes de sair para o almoço. Faltam apenas dois slides para finalizar a apresentação e é melhor terminar de uma vez, com a mente fresca e o silêncio da sala.

— Por que será que eu tinha certeza que iria encontrá-la aqui, Elisa? — Levo um susto ao virar para trás e ver a professora Moore sorrindo para mim.

Não ouvi a porta da frente ser aberta. Resvalo o olhar para a tela do computador e vejo que se passou uma hora e nem percebi.

— Estava concentrada no arquivo final da apresentação da tese.

— Você tem sempre um motivo para trabalhar duro, por isso eu digo, é a melhor orientanda que eu já tive. Tenho que mandar essa mulher descansar, acredita? Se eu não falo nada, ela dorme aqui.

A professora olha para um homem ao seu lado e só então noto a presença de outra pessoa na sala. É um senhor simpático, que está sorrindo para mim também.

— Muito prazer, eu sou James Davis. — Pego sua mão estendida e me levanto para cumprimentá-lo.

— O prazer é meu! Sou Elisa Montemor.

— Ah, eu sei muito bem quem você é, senhorita Montemor. A Abigail está te elogiando faz mais de uma hora pra mim. — É a primeira vez que eu escuto alguém chamá-la pelo primeiro nome.

Por um instante, quase pergunto quem é Abigail. Os dois devem ser amigos ou conhecidos de longa data para essa intimidade.

— Fico honrada com os elogios, eu adoro trabalhar no departamento com a professora Moore. Pode me chamar de Elisa, por favor.

Eu acho super esquisito esse costume dos americanos de tratar todo mundo pelo sobrenome. Não parece nada caloroso, sem contar que evito ficar lembrando da minha família a cada instante.

— O James fez graduação comigo há o quê? Mais de 30 anos? — Os dois sorriem um para o outro e algo me diz que fizeram mais do que estudar juntos. — Encontrei com ele sem querer nos corredores mais cedo, nem sabia que estava morando aqui em Chicago ainda.

— 33 anos da graduação, tempos bons aqueles!

Quando a gente passa a esconder as coisas dos outros, consegue identificar rapidamente quando alguém também faz isso. Não conheço nada desse homem, mas seus olhos pretos, opacos e meio perdidos, trazem marcas como os meus.

— Foram mesmo, James. Maravilhosos! — Moore disfarça as memórias que, com certeza estão na sua cabeça neste instante, e volta a focar em mim com o rosto corado. — Enfim, durante nossa conversa descobri que ele trabalha na Bioimunne Future agora e falei um pouco da sua pesquisa ousada sobre os plasmas. James ficou interessado, há um projeto em andamento na empresa que iria se beneficiar muito do seu conhecimento.

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